Gleisi Hoffmann critica projeto que equipara facções criminosas ao terrorismo e alerta para risco de intervenção estrangeira no Brasil
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou nesta quarta-feira (5) que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é “terminantemente contra” o projeto de lei que pretende equiparar a atuação de facções criminosas ao terrorismo no Brasil.
Segundo a ministra, a proposta representa um risco à soberania nacional, pois poderia abrir brechas jurídicas para intervenções estrangeiras no território brasileiro com base em tratados internacionais de combate ao terrorismo.
“O governo é terminantemente contra. Somos contra esse projeto que equipara as facções criminosas ao terrorismo. Terrorismo tem objetivo político e ideológico, e, pela legislação internacional, dá guarida para que outros países possam fazer intervenção no nosso país”, declarou Gleisi durante um evento do Ministério das Relações Institucionais em Brasília.
A declaração ocorre em meio à intensificação do debate no Congresso sobre o chamado Projeto de Lei Antifacção, que ganhou destaque após a Operação Contenção, no Rio de Janeiro, marcada por 121 mortes, o maior número já registrado em uma ação policial no estado.
Projeto avança no Congresso em meio a polêmicas
O texto, de autoria do deputado Alfredo Gaspar (União-AL), foi aprovado na Comissão de Segurança Pública da Câmara e aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Apesar de o projeto ter requerimento de urgência aprovado — o que permitiria levá-lo diretamente ao plenário — o presidente da CCJ, Paulo Azi (União-BA), decidiu submetê-lo à análise jurídica do colegiado devido às dúvidas sobre sua constitucionalidade.
A proposta prevê que facções criminosas que controlem territórios ou atentem contra o Estado possam ser tratadas como organizações terroristas, o que endureceria penas e abriria espaço para eventual atuação das Forças Armadas.
Especialistas alertam, porém, que a redação é vaga e potencialmente perigosa, podendo gerar interpretações políticas e permitir o uso da Lei Antiterrorismo de forma abusiva contra movimentos sociais ou ações locais de segurança.
Governo diferencia facções de terrorismo
Na segunda-feira (3), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, também se manifestou contra a equiparação, afirmando que o governo federal distingue claramente o que é terrorismo do que são organizações criminosas.
“Uma coisa é terrorismo, outra coisa são facções criminosas. É preciso manter essa distinção”, declarou o ministro, reforçando que o combate ao crime organizado deve ocorrer por meio de cooperação institucional, inteligência policial e investigação financeira.
O posicionamento do governo está alinhado à interpretação de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que reconhecem o terrorismo apenas quando há motivação política, ideológica, étnica ou religiosa, e não quando se trata de crimes econômicos ou territoriais.
Debate sobre soberania nacional
Aliados do Planalto sustentam que o projeto pode internacionalizar o combate ao crime organizado, abrindo caminho para ingerência externa em operações de segurança pública.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), classificou o texto como “inconstitucional” e “entreguista”, argumentando que ele ameaça a soberania brasileira.
“Enquanto o governo federal investe em ações reais, como mostrou a Operação Carbono Oculto, que desarticulou redes criminosas com cooperação institucional e inteligência financeira, os governadores da direita tentam impor pautas populistas e inconstitucionais, como pena de morte, prisão perpétua e a equiparação do crime organizado ao terrorismo. Isso abre caminho ao entreguismo da soberania nacional e à retórica dos traidores da Pátria”, disse o parlamentar.
Contexto político e disputa de narrativas
A fala de Gleisi Hoffmann ocorre em um momento de acirramento entre o governo e a oposição, que tenta capitalizar politicamente o tema da segurança pública após a megaoperação no Rio. Governadores de direita defendem medidas mais duras, enquanto o Planalto prega eficiência e racionalidade no enfrentamento das facções.
Nos bastidores, aliados de Lula avaliam que o debate sobre terrorismo pode ser usado como bandeira eleitoral por parlamentares conservadores em 2026. O governo, por sua vez, tenta reforçar o discurso de soberania e segurança jurídica, evitando associar políticas criminais à retórica de “guerra” que, segundo assessores do Planalto, fortalece discursos autoritários.
“A questão da segurança é sensível, mas não pode ser usada como instrumento de populismo punitivista. O governo quer combater o crime, mas sem comprometer princípios democráticos nem a soberania nacional”, afirmou um interlocutor do Planalto ao ND1.
O que é terrorismo segundo a legislação internacional
A definição de terrorismo é amplamente reconhecida em tratados internacionais, embora varie conforme o contexto jurídico. De forma geral, caracteriza-se por atos de violência com motivação política, ideológica, étnica ou religiosa, com o objetivo de intimidar populações ou coagir governos.
No Brasil, a Lei nº 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo) define terrorismo como atos praticados “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, com a intenção de causar terror social ou generalizado”.
Essa definição exclui organizações criminosas voltadas ao lucro ou controle territorial, como facções de tráfico de drogas ou milícias, justamente para impedir o uso político da legislação.
Juristas alertam que, se o projeto em debate for aprovado, crimes comuns poderiam ser tratados como ameaças de segurança nacional, abrindo margem para abuso de poder e criminalização de movimentos sociais.
Entendimento do STF sobre o tema
O Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou entendimento de que a Lei Antiterrorismo não pode ser aplicada a crimes comuns, tampouco usada para enquadrar manifestações sociais ou atos sem motivação política.
Em decisões recentes, ministros da Corte ressaltaram que o conceito de terrorismo, segundo a Constituição e os tratados internacionais, exige finalidade ideológica e intenção de coagir o Estado ou a população, o que não se aplica às facções criminosas ligadas ao tráfico ou à extorsão.
O jurista Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da USP, afirma que a tentativa de ampliar o conceito de terrorismo “cria risco de distorção do sistema penal” e “abre brecha para perseguições políticas e violações de direitos fundamentais”.
“O combate ao crime organizado é uma necessidade, mas ele deve respeitar a legalidade e a proporcionalidade. Misturar o conceito de terrorismo com o de facção é uma confusão jurídica perigosa”, diz Bottini.
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