MPF aciona Justiça para proteger acervo histórico abandonado no antigo IML do Rio
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal para exigir da União e do governo do estado do Rio de Janeiro a proteção imediata do acervo histórico encontrado no antigo prédio do Instituto Médico Legal (IML), na Lapa, região central da capital fluminense. O órgão aponta abandono do imóvel e pede, em caráter urgente, a preservação, segurança e organização dos arquivos.
Segundo o procurador regional adjunto dos Direitos do Cidadão, Julio Araujo, a medida se tornou necessária diante da deterioração acelerada do prédio e do risco concreto de perda de documentos considerados essenciais para o direito à memória, à verdade e à história do país.
“O acervo está exposto a intempéries, fezes de animais, sujeira e invasões constantes. Trata-se de um risco claro, iminente e absolutamente incompatível com a preservação de documentos de valor inestimável”, afirmou o procurador.
Vistorias técnicas realizadas ao longo de 2025 pelo MPF e por órgãos especializados identificaram microfilmes em acetato e até em nitrato de celulose, material altamente inflamável, já em avançado estado de deterioração. Também foram encontrados dossiês espalhados pelo chão, portas arrombadas e salas que sequer puderam ser acessadas.
De acordo com o MPF, a precariedade estrutural e o abandono do prédio colocam em risco não apenas o patrimônio documental, mas também a segurança de moradores e comerciantes da região. O órgão ressalta que o acervo reúne aproximadamente 2,9 mil metros lineares de documentos e cerca de 440 mil itens iconográficos, incluindo registros da Polícia Civil das décadas de 1930 a 1960 e materiais do período da ditadura militar.
“O valor histórico desse material é inestimável. São documentos que podem esclarecer violações graves de direitos humanos, reconstruir trajetórias de desaparecidos políticos e cumprir decisões internacionais que impõem ao Brasil o dever de preservar sua memória”, destacou Julio Araujo.
O Grupo Tortura Nunca Mais, que acompanhou visita técnica ao prédio em março, avalia que a iniciativa do MPF representa um novo marco na preservação de arquivos ligados à repressão estatal. Para a entidade, os documentos vão além do período da ditadura e ajudam a compreender um contexto histórico mais amplo de violações.
“O que vemos aqui é uma verdadeira abertura de arquivos da repressão, algo pelo qual lutamos há muito tempo. Esse processo contribui para a elucidação dos fatos e para a garantia da memória do país”, afirmou Rafael Maui, integrante do grupo.
Felipe Nin, do Coletivo Memória, Verdade, Justiça e Reparação, destacou que documentos encontrados no local já permitiram identificar o paradeiro de ao menos 15 desaparecidos políticos, enterrados como indigentes no cemitério Ricardo de Albuquerque. Segundo ele, o material pode levar à identificação de outras vítimas.
A ação do MPF também critica o esquema atual de vigilância, considerado insuficiente. O prédio conta com apenas dois vigilantes por turno, o que não impede invasões frequentes. O órgão pede a presença mínima de dez agentes por turno, além de medidas básicas de salubridade, como reparo de janelas, limpeza diária e ações efetivas para evitar novas invasões.
No pedido encaminhado à Justiça, o MPF requer que União e estado apresentem, em até 30 dias, um plano de trabalho para o tratamento do acervo e iniciem, em até 60 dias, as ações concretas de análise e organização dos arquivos, sob supervisão técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O procurador lembra que, no Caso Vladimir Herzog, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que os Estados preservem arquivos relacionados a graves violações. Para o MPF, a deterioração do acervo do antigo IML compromete não apenas a memória histórica, mas também a própria democracia.
Mesmo com decisão judicial anterior determinando a reversão do prédio, o MPF afirma que a União ainda não adotou medidas efetivas. Por isso, pede que a Justiça imponha prazos, obrigações e, se necessário, multa diária para garantir a proteção imediata do patrimônio histórico.
