DPU conclui que consulta prévia não se aplica a povos indígenas isolados

A Defensoria Pública da União (DPU) concluiu, em nova nota técnica, que a consulta livre, prévia e informada não se aplica a povos indígenas isolados e comunidades tradicionais nessas condições. Para o órgão, o próprio isolamento representa uma negativa a qualquer tipo de empreendimento que possa afetar seus territórios ou modos de vida.

O documento analisa o instrumento de consulta previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2002. A convenção garante que povos indígenas devem ser consultados antes de decisões que impactem suas terras ou direitos. No caso dos isolados, porém, a DPU entende que a consulta é inviável e já está respondida: a resposta é não.

“A consulta é sempre fundamental. Agora, quando você fala de povos indígenas isolados, a consulta já está feita. E a resposta é não”, afirmou o defensor público Renan Sotto Mayor, responsável pelo recém-criado Ofício de Povos Isolados e de Recente Contato, formalizado em outubro.

Sotto Mayor relata que percebeu a urgência do tema em 2019, quando o indigenista Bruno Pereira procurou a DPU denunciando violações de direitos humanos na Terra Indígena Vale do Javari. Três anos depois, Bruno e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados na região.

A posição da defensoria segue entendimentos já adotados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), pelo Ministério dos Povos Indígenas e por órgãos como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que em 2020 reconheceu a impossibilidade de consultar povos isolados. Em 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também passou a orientar nesse sentido.

A nota foi bem recebida por entidades que atuam com povos isolados. Para Fábio Ribeiro, coordenador executivo do Observatório dos Povos Indígenas Isolados (OPI), o documento fortalece a proteção jurídica existente. “É um adensamento desse arcabouço. Cada documento é uma vitória, porque significa que o Estado brasileiro começa a ter sensibilidade para essa situação”, afirmou.

Na mesma linha, Marco Aurélio Milken Tosta, coordenador de Povos Isolados e de Recente Contato da Funai, destacou a importância da confirmação periódica desse entendimento. “É muito importante reforçar esses posicionamentos em instâncias variadas. A DPU representa um fortalecimento significativo para nossa atuação”, disse.

A DPU baseia sua conclusão no princípio da autodeterminação dos povos, segundo o qual o isolamento é uma escolha marcada por históricos de violência. Sotto Mayor destaca que, muitas vezes, esses grupos vivem em fuga após expulsões e massacres. Um exemplo é o povo Tanaru, que deixou de existir após a morte, em 2022, do último sobrevivente conhecido como índio do buraco. Ele viveu isolado por 26 anos em Rondônia, após sucessivos massacres ocorridos na década de 1990. Casos como o dos Tanaru são apontados como exemplos de genocídio. A ONG Survival International estima que mais de 90% dos povos isolados do planeta vivem sob ameaça de atividades extrativistas legais e ilegais. No total, cerca de 196 povos isolados existem no mundo, sendo 115 deles no Brasil, segundo a Funai.

“O Brasil, como país com o maior número de povos isolados, precisa de proteção gigantesca. Um erro pode gerar um genocídio. Uma decisão equivocada, um contato mal feito ou a aproximação de um garimpeiro pode matar toda uma etnia”, alertou Sotto Mayor.