Ditadura Militar: os anos de tortura, censura e desaparecimentos que marcaram o Brasil a ferro e sangue — e os reflexos que ainda moldam o país hoje

O golpe que mudou o país

A  de 31 de março de 1964 alterou definitivamente a trajetória política . Com tropas marchando em direção ao Rio de Janeiro, lideranças militares depuseram o presidente João Goulart, acusado pelos setores conservadores de promover reformas consideradas radicais em meio à polarização da Guerra Fria. Sem apoio político e militar para resistir, Goulart deixou o país rumo ao exílio.
 
O que se seguiu foi a construção de um regime autoritário que duraria 21 anos. Os comandos militares assumiram o controle do Estado, afastaram adversários, redesenharam o sistema político e criaram uma estrutura de poder sustentada por atos institucionais, repressão e censura.

As primeiras medidas e a institucionalização do regime

Os militares instalaram uma Junta de Governo e, dias depois, passaram a governar por meio de Atos Institucionais. O primeiro deles permitiu cassar mandatos, suspender direitos políticos e intervir em instituições. Em 1967, uma nova Constituição consolidou o poder dos generais no Executivo.

O regime foi se sofisticando com o fortalecimento dos órgãos de inteligência e repressão. A partir de 1968, com o Ato Institucional nº 5, o governo assumiu poderes excepcionais: fechou o Congresso, extinguiu o habeas corpus para crimes políticos e ampliou o papel de centros de investigação como o DOI-Codi. O AI-5 representou o endurecimento máximo da máquina de repressão.

Repressão e violações estruturadas

A violência estatal se tornou política de governo. A Comissão Nacional da Verdade, criada décadas depois, identificou práticas sistemáticas de tortura, desaparecimentos forçados e execuções, além da perseguição a parlamentares, jornalistas, estudantes, líderes comunitários e religiosos.

Centenas de presos relataram métodos como choques elétricos, pau-de-arara e espancamentos. Muitos nunca foram encontrados. Casos emblemáticos, como os desaparecimentos de Stuart Angel, Rubens Paiva e Evaldo Farias, ilustram o funcionamento da máquina de repressão clandestina.

A prática de espionagem interna também se expandiu. Dossiês secretos monitoravam artistas, professores, sindicalistas e qualquer cidadão considerado suspeito de atuar contra os interesses do regime.

Economia entre o milagre e a crise

Se por um lado a propaganda oficial celebrava o chamado milagre econômico, com altas taxas de crescimento entre 1968 e 1973, por outro a concentração de renda aumentou, e os salários, congelados em vários períodos, perderam poder de compra.

O desenvolvimento acelerado foi financiado por empréstimos internacionais que, com a crise do petróleo e o aumento dos juros globais, se transformaram em dívida impagável. Nos anos 1980, o país enfrentava inflação alta, aumento da pobreza e perda de confiança no regime.

Cultura, censura e resistência

O período também ficou marcado pela atuação da censura federal, que controlava músicas, peças de teatro, filmes, livros e jornais. Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e tantos outros tiveram letras vetadas, sofreram prisões ou foram forçados ao exílio.

Mesmo sob repressão, espaços de resistência cultural floresceram. O teatro de arena, o cinema novo, jornais alternativos e movimentos estudantis mantiveram viva a crítica social. A atuação de setores da Igreja Católica, especialmente após a Ascensão da Teologia da Libertação, também foi essencial para proteger perseguidos e denunciar violações.

Abertura e desgaste do regime

A partir do final dos anos 1970, a combinação de crise econômica, pressão internacional por direitos humanos e mobilização social acelerou o processo de abertura. O governo adotou o discurso de que a democracia voltaria de forma lenta, gradual e segura, mas enfrentou protestos crescentes.

Greves metalúrgicas no ABC paulista, movimentos estudantis reorganizados e grupos de mulheres e negros ampliaram a resistência. Em 1979, o Congresso aprovou a Lei da Anistia, que possibilitou o retorno de exilados políticos, embora tenha protegido agentes do Estado acusados de tortura.

 Diretas Já e o fim do ciclo

Em 1983 e 1984, milhões de brasileiros foram às ruas nas manifestações por eleições diretas para presidente. A emenda parlamentar que permitiria o voto direto foi rejeitada, mas o movimento abriu caminho para a eleição indireta de Tancredo Neves em 1985 e o fim formal da ditadura.

Apesar da morte de Tancredo antes da posse, seu vice, José Sarney, assumiu e conduziu o país rumo ao processo constituinte. Em 1988, a nova Constituição restabeleceu direitos civis, políticos e sociais, marcando o encerramento da transição democrática.

A disputa pela memória nos dias atuais

Quase quatro décadas após o fim do regime, a memória da ditadura ainda divide opiniões no país. Ao mesmo tempo em que documentos vêm sendo abertos e museus e comissões ampliam registros históricos, setores da sociedade tentam relativizar ou reinterpretar episódios do período.

A Comissão Nacional da Verdade, concluída em 2014, consolidou investigações e apontou responsabilidades diretas do Estado por crimes sistemáticos. O relatório final recomenda medidas de não repetição, reparação às vítimas, reformulação de protocolos policiais e abertura total dos arquivos.

Debates sobre militarização da política, papel das Forças Armadas, limites da Anistia e educação sobre direitos humanos mostram que o país ainda convive com os impactos de um regime que moldou instituições, práticas e tensões que permanecem presentes.

Ditadura Militar no Brasil: da escalada ao golpe, dos anos de chumbo às disputas de memória

Ditadura militar brasileira completa 60 anos do golpe que derrubou João Goulart; dossiê detalha origem, repressão, resistência e disputas de memória que ainda ecoam no país.

Introdução: o Brasil às vésperas da ruptura

A Ditadura Militar brasileira, instaurada em 31 de março de 1964, não foi um evento súbito, mas o ápice de um processo de tensão política, econômica e social acumulado ao longo da década de 1950 e início dos anos 1960. Conflitos entre setores conservadores e grupos progressistas foram se intensificando, impulsionados pela polarização da Guerra Fria. Empresários, parte da elite agrária, setores da Igreja Católica, grupos civis anticomunistas e o governo dos Estados Unidos se uniram com militares brasileiros descontentes para interromper o governo de João Goulart, visto por eles como uma ameaça à ordem e aos interesses geopolíticos ocidentais.

Ao mesmo tempo, movimentos populares pediam reformas de base — agrária, educacional, fiscal e urbana — e maior participação política. Jango buscava equilibrar pressões, mas acabou sufocado pela radicalização dos dois lados. Quando tropas lideradas por generais contrários ao governo marcharam em direção ao Rio de Janeiro, a ruptura se consolidou e deu início a 21 anos de regime autoritário.

O golpe de 1964: construção, articulação e apoio internacional

O golpe militar de 1964 contou com ampla articulação civil-militar. Empresários financiaram campanhas de propaganda anticomunista. Organizações como o IPES e o IBAD produziram filmes, panfletos e estudos que difundiam a ideia de que o Brasil caminhava para uma “república sindicalista” alinhada à URSS.

Documentos desclassificados dos EUA mostram que Washington acompanhou e incentivou o processo. A Operação Brother Sam previa apoio logístico e militar caso o golpe enfrentasse resistência armada do governo, o que acabou não ocorrendo devido à falta de articulação das forças leais a Jango.

No Brasil, marchas conservadoras — como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade — serviram para dar legitimidade civil à intervenção. O Congresso Nacional, pressionado e esvaziado, declarou a Presidência vaga, permitindo a ascensão do general Castelo Branco.

Estruturação do regime e a arquitetura dos Atos Institucionais

Entre 1964 e 1968, o regime consolidou mecanismos de controle institucional. O Congresso continuou funcionando, mas com forte intervenção militar: cassações, suspensão de direitos políticos, censura prévia e perseguição a opositores em universidades, sindicatos e imprensa.

O regime criou os Atos Institucionais, instrumentos que permitiam governar acima da Constituição. O ponto de virada ocorreu em 1968, após uma escalada de protestos estudantis, greves operárias e avanços da oposição. Em dezembro daquele ano, o governo baixou o AI-5, o mais repressivo ato institucional, que:
  • Fechou o Congresso;
  • Suspendeu habeas corpus;
  • Autorizou prisões sem mandado judicial;
  • Intensificou a censura;
  • Ampliou poderes dos órgãos de repressão.
Com o AI-5, o regime militar entrou no período mais violento, conhecido como os anos de chumbo.

Repressão, violência de Estado e a máquina da tortura

A repressão política se tornou sistemática. O regime criou e expandiu estruturas como o DOI-Codi, OBAN e DOPS, que atuavam de forma coordenada com as Forças Armadas. Prisões arbitrárias, tortura, execuções e desaparecimentos forçados passaram a integrar a política de Estado.

Organizações da sociedade civil, jornalistas, artistas, líderes operários, padres, estudantes e militantes de partidos de esquerda foram alvos. A guerrilha urbana cresceu no final dos anos 1960, enquanto a resistência rural se organizava no Araguaia. O enfrentamento levou o Estado a ampliar suas operações clandestinas e ilegais.

Documentos e depoimentos confirmam que:
  • A tortura foi institucionalizada e ensinada em cursos de formação;
  • O desaparecimento forçado era comunicado como “fuga” ou “combate”;
  • Órgãos de inteligência construíram redes de vigilância nacional.
Resistência, cultura e o papel da sociedade

Apesar da repressão, surgiram movimentos culturais e de oposição simbólica: a Tropicália, o cinema novo, peças de teatro contestatórias e uma imprensa alternativa floresceram.

Estudantes protagonizaram protestos emblemáticos, como a Passeata dos Cem Mil. No campo religioso, setores progressistas da Igreja denunciaram abusos do regime. Greves operárias em São Paulo e no ABC no final da década de 1970 contribuíram para desgastar o regime.

A guerrilha, embora numericamente pequena, desafiou o Estado e mostrou que havia resistência organizada. O preço foi alto: muitas mortes, desaparecidos e prisões em massa.

A distensão lenta e gradual. As brechas para a abertura

A partir de meados da década de 1970, com a crise econômica global e a perda de legitimidade interna, o regime apostou numa abertura controlada. O governo Geisel iniciou um processo de distensão — lento, gradual e seguro — que buscava reorganizar o sistema político sem permitir uma ruptura abrupta.

Ainda assim, conflitos internos entre militares da “linha dura” e setores moderados marcaram o período. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975, seguido pelo de Manoel Fiel Filho, desencadeou pressão nacional e internacional pela responsabilização da repressão.

A Lei da Anistia, de 1979, permitiu o retorno de exilados, mas também garantiu perdão para agentes do Estado envolvidos em tortura e crimes políticos — ponto que permanece em disputa até hoje.

Transição, Nova República e a disputa pela memória

O colégio eleitoral escolheu Tancredo Neves em 1985, encerrando formalmente o ciclo militar. Tancredo morreu antes da posse e José Sarney assumiu a Presidência. A Constituição de 1988 consolidou liberdades democráticas e instituiu mecanismos de proteção social, além de definir tortura como crime imprescritível.

A partir dos anos 2000, o Brasil passou a reexaminar seu passado:
  • A Comissão Nacional da Verdade (2012–2014) documentou violações e identificou responsáveis.
  • Famílias seguem buscando informações sobre desaparecidos.
  • Debates sobre memória, responsabilidade e justiça transicional se intensificaram.
Ao mesmo tempo, discursos que relativizam ou negam crimes da ditadura ganharam espaço em setores políticos, reacendendo tensões na sociedade e demonstrando que a reconciliação com o passado continua incompleta.

A herança da ditadura nas estruturas do Estado e na política

A ditadura deixou marcas profundas:
  • Organismos de inteligência foram reformulados, mas mantiveram ethos militarizado.
  • Práticas policiais violentas têm raízes históricas no período autoritário.
  • O sistema político ainda apresenta mecanismos herdados do bipartidarismo controlado.
  • Tensões entre civis e militares permaneceram, influenciando crises contemporâneas.
Em tempos recentes, o Brasil viu manifestações que reivindicavam intervenção militar, discursos de exaltação ao regime e uma politização crescente das Forças Armadas. Episódios como o 8 de Janeiro de 2023 reacenderam debates sobre os limites da participação militar na política.

 Por que entender a ditadura ainda é essencial

A história da ditadura militar não terminou em 1985. Suas repercussões seguem moldando instituições, discursos e conflitos contemporâneos. O Brasil ainda busca equilíbrio entre memória, verdade e justiça, e compreender as raízes do autoritarismo é fundamental para proteger a democracia.

A engrenagem da repressão: como funcionavam os órgãos de inteligência e controle

A ditadura construiu uma estrutura de vigilância equipada para monitorar, perseguir e controlar opositores em escala nacional. Não era um conjunto isolado de agências, mas uma rede integrada que funcionava de forma articulada, com divisão de tarefas e troca de informações entre Exército, Marinha, Aeronáutica, polícias estaduais e órgãos civis.

SNI – O cérebro do sistema

Criado em 1964, o Serviço Nacional de Informações se tornou o eixo central da inteligência brasileira. Presidido pelo general Golbery do Couto e Silva, o SNI operava como um sistema capilar: tinha agentes em ministérios, universidades, empresas públicas e privadas. Nada relevante acontecia sem passar pela análise dos relatórios internos do órgão.

Relatórios do SNI catalogavam desde atividades de grupos de esquerda armada até manifestações culturais consideradas “subversivas”. Artistas, jornalistas, professores e estudantes eram observados em uma lógica de suspeição permanente.

DOI-Codi e DOPS – os braços operacionais

Se o SNI pensava e vigiava, o DOI-Codi executava. Criado a partir da Operação Bandeirante (OBAN) em São Paulo, o DOI-Codi se expandiu para outras capitais e tornou-se símbolo da tortura institucionalizada.

Práticas comuns: pau-de-arara, choques elétricos, afogamento, espancamentos, violência sexual, privação de sono e tortura psicológica.

Objetivos: extrair informações, destruir redes de resistência e produzir terror para desestimular mobilização política.

O DOPS, que já existia antes da ditadura, foi adaptado para servir ao regime, atuando no monitoramento de sindicatos, artistas, religiosos e movimentos sociais.

Centros clandestinos

Além das estruturas oficiais, existiam locais clandestinos que não constavam em registros formais. 

Exemplos:

Casa da Morte m Petrópoli;

Quartéis clandestinos da Aeronáutica no Rio de Janeiro;

Bases militares em regiões de fronteira.

A ausência de documentação sobre esses espaços ainda dificulta investigações sobre desaparecidos.

A Guerra da Informação: censura, propaganda e controle da narrativa

A ditadura não se sustentava apenas pela força; sustentava-se também pelo controle da informação.

Censura prévia

A partir do AI-5, a censura atingiu jornais, revistas, peças de teatro, músicas, programas de TV e cinema. Censores trabalhavam dentro das redações, decidindo o que podia ir ao ar. Em muitos casos, trechos inteiros de matérias eram suprimidos e substituídos por poemas, receitas de bolo ou espaços em branco — um protesto silencioso dos jornalistas.

Propaganda oficial

O regime investiu pesado em comunicação institucional:
  • Campanhas ufanistas como “Brasil: Ame-o ou deixe-o”;
  • Incentivo à imagem do “milagre econômico”;
  • Criação de conteúdo educativo e patriótico exibido em rádios e TVs;
  • Controle da linha editorial de grandes veículos.
Ao mesmo tempo, criava a percepção de que o país vivia uma ameaça comunista, justificando medidas autoritárias como suposta defesa da ordem.

Imprensa alternativa

A resistência jornalística ganhou força em publicações como O Pasquim, Opinião, Movimento e jornais estudantis clandestinos. Esses veículos enfrentavam perseguição, prisões e fechamento, mas conseguiram registrar críticas essenciais ao regime.

Economia da Ditadura: entre o “milagre” e a crise profunda

A ditadura militar ficou marcada por dois momentos econômicos contrastantes: euforia e colapso.

O “milagre econômico” (1968–1973)

Impulsionado por investimentos estrangeiros, abertura ao capital internacional, obras de infraestrutura e arrocho salarial, o Brasil viveu crescimento acelerado. Entre as obras simbólicas:
  • Transamazônica;
  • Ponte Rio–Niterói;
  • Itaipu (início das negociações);
  • Programa nuclear brasileiro.
No entanto, a prosperidade tinha custos altos:
  • Endividamento externo colossal;
  • Perda do poder aquisitivo;
  • Concentração de renda;
  • Expansão de bolsões de pobreza urbana.
A crise pós-1973

O choque do petróleo e o fim da expansão internacional afundaram o modelo. A inflação aumentou, a dívida explodiu e a pobreza se aprofundou. O discurso desenvolvimentista perdeu força, acelerando a pressão por abertura política.

A resistência armada: guerrilhas urbanas e rurais

A resistência armada à ditadura foi diversa, fragmentada e marcada por motivações distintas.

Na cidade

Organizações como ALN, VPR, MR-8, PCBR e outras promoveram assaltos a bancos (expropriações), explosões de estruturas estatais e sequestros de diplomatas, como:

Embaixador dos EUA Charles Elbrick (1969);

Embaixador da Suíça Giovanni Bucher (1970);

Embaixador alemão Ehrenfried von Holleben (1971).

Essas ações visavam pressionar pela libertação de presos políticos e atrair atenção internacional.

No campo

A Guerrilha do Araguaia (1972–1974) foi o movimento armado mais estruturado. Liderado pelo PCdoB, estabeleceu bases na região do Bico do Papagaio. O Exército montou a maior operação militar interna da sua história para eliminar o movimento — e apagou rastros de desaparecidos, muitos jamais encontrados.

 Ditadura e sociedade: impactos duradouros no cotidiano dos brasileiros

Os 21 anos de ditadura afetaram profundamente o tecido social:

Prisões e torturas deixaram marcas psicológicas e familiares que persistem por gerações;

Movimentos sindicais foram destruídos e reconstruídos apenas no fim da década de 1970;

A educação passou por reformas autoritárias, como o ensino moral e cívico;

Indígenas sofreram violências massivas, incluindo remoções forçadas e extermínios;

Povos tradicionais, quilombolas e ribeirinhos foram impactados por projetos desenvolvimentistas que ignoravam impactos sociais.

A disputa contemporânea pela memória: negacionismo, política e democracia

O Brasil vive hoje um embate central: como interpretar a ditadura militar?

Avanços da memória

Projetos de reparação, museus, livros, filmes e iniciativas educacionais cresceram desde os anos 2000. A Comissão da Verdade consolidou dados sobre desaparecidos, torturas e execuções.

Retrocesso recente

Nos últimos anos, discursos negacionistas ganharam força, reacendendo debates sobre:
  • O papel dos militares na política;
  • A relativização da tortura;
  • A celebração do golpe de 1964 por autoridades;
  • A tentativa de reescrever a história sob narrativa revisionista.
O 8 de Janeiro de 2023 — tentativa de golpe — reforçou a urgência de compreender estruturas autoritárias que seguem vivas no imaginário político.

A linha do tempo do autoritarismo: dos anos 1930 ao golpe de 1964

Para entender a ditadura militar de 1964, é preciso observar o terreno que a antecedeu. O regime não surgiu do nada: foi resultado de décadas de tensões institucionais, disputas de poder, crises econômicas e interferências internacionais.

A seguir, começamos a linha do tempo detalhada — um panorama que vai organizando acontecimentos essenciais que prepararam o golpe.

1930 – A ruptura da República Velha e o início do ciclo Vargas

A tomada de poder por Getúlio Vargas em 1930 encerrou a política do café com leite e inaugurou um período de centralização do Estado.

Embora não fosse uma ditadura no início, a década de 1930 estabeleceu padrões que reforçariam a ideia de que rupturas institucionais eram aceitáveis quando justificadas por “crises”.
  • Dissolve-se o Congresso.
  • Interventores são colocados nos estados.
  • Cresce o peso das Forças Armadas na vida política.
  • Esse protagonismo militar se tornaria uma constante.
1937–1945 – Estado Novo: laboratório do autoritarismo moderno

Com o golpe de 1937, Vargas inaugura um período de ditadura explícita, implantando:
  • Censura institucionalizada;
  • Polícia política (DIP);
  • Tortura sistemática contra opositores;
  • Propaganda estatal nacionalista;
  • Centralização extrema do poder executivo.
O Estado Novo se torna o primeiro grande modelo de vigilância e repressão de massa no país. Muitos militares que apoiaram 1964 enxergavam esse período como uma referência de “ordem”.

1945–1960 – Democracia instável e militar tutelando a política

Após a deposição de Vargas, inicia-se uma fase democrática marcada por contradições:

Eleições extremamente polarizadas;

Pressão militar constante sobre o governo civil;

Influência crescente dos EUA em plena Guerra Fria;

Papel decisivo dos militares em crises como:

  • a renúncia de Vargas em 1945;
  • a crise do “queremismo”;
  • a tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955.
  • Mesmo durante a democracia, os quartéis se percebiam como “poder moderador”.
1954 – O suicídio de Vargas

Acusado de corrupção por setores da oposição e pressionado por oficiais das Forças Armadas, Vargas se mata no Palácio do Catete.

Seu testamento político — “saio da vida para entrar na história” — reforça o ambiente de comoção popular, mas também aprofunda a divisão entre os militares e civis.

A morte de Vargas marca:

A radicalização política;

A entrada definitiva da população de massas no jogo eleitoral;

O fortalecimento de grupos conservadores que defendiam “ordem” contra mobilização social.

Essas linhas de tensão reapareceriam com força nos anos 1960.

1961 – Renúncia de Jânio Quadros

Jânio renuncia inesperadamente. A Constituição previa a posse de João Goulart (Jango), vice-presidente.

Setores militares tentam impedir, alegando que Jango era próximo de sindicatos e da esquerda.

A solução encontrada foi o parlamentarismo, que reduziu os poderes do presidente para permitir sua posse.

Mas o regime não resistiu por muito tempo — evidenciando que a instabilidade institucional já preparava o terreno para uma ruptura futura.

1963 – Plebiscito e retorno ao presidencialismo

A população vota massivamente pelo retorno ao presidencialismo, restaurando os poderes de Jango.

Com mais autonomia, o presidente passa a propor:

Reformas agrária, fiscal e universitária;

Maior participação popular;

Limitação do envio de lucros ao exterior;

Políticas sociais avançadas para a época.

Para a elite conservadora e para as Forças Armadas, isso soava como ameaça de “desordem”.

1964 – Escalada de tensões: o estopim

O contexto que antecedeu o golpe foi uma convergência de fatores:

Campanhas da grande imprensa contra o governo (“República Sindicalista”);

Crescimento dos movimentos populares organizados;

Greves e pressão por direitos;

Medo do comunismo alimentado por Washington em plena Guerra Fria;

Atos militares contestando a autoridade presidencial, como o episódio dos marinheiros;

Polarização social crescente.

A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por setores conservadores e religiosos, simbolizou a reação organizada contra Jango.

No dia 31 de março de 1964, forças militares saem de Minas Gerais rumo ao Rio. No dia 1º de abril, Jango é deposto. Inicia-se o regime que duraria 21 anos.

O Golpe de 1964: articulação, execução e consolidação do novo regime

Dando continuidade ao dossiê, avançamos agora para o momento decisivo: como o golpe foi planejado, quem esteve por trás dele, de que forma foi executado e quais medidas imediatas consolidaram o novo regime militar.

A engenharia política por trás do golpe

O golpe de964 foi resultado de uma articulação complexa e multifacetada, envolvendo:

Altos comandos das Forças Armadas

Sobretudo setores do Exército, influenciados pelo anticomunismo da Guerra Fria e com forte presença de oficiais doutrinados na Escola Superior de Guerra (ESG).

A ESG defendia a tese da “guerra interna”, na qual o inimigo não era externo, mas ideológico.

 Empresariado e elites rurais

Grupos econômicos temiam:
  • as Reformas de Base propostas por Jango;
  • a regulamentação da remessa de lucros das multinacionais;
  • maior organização sindical;
  • perda do controle sobre terras improdutivas.
  • Essas elites financiaram campanhas contrárias ao governo e grupos de mobilização conservadora.
Grande imprensa

Veículos de comunicação hegemônicos — jornais, rádios e emissoras — desempenharam papel contundente.

Editorialmente, criaram narrativas de:

  • caos institucional;
  • ameaça comunista;
  • incompetência econômica;
  • governo pró-sindicato e antiempresarial.
Alguns editoriais defendiam abertamente que os militares “intervissem”.

 A CIA e o governo dos Estados Unidos

Documentos desclassificados décadas depois comprovaram o apoio norte-americano à derrubada de Jango.

Os EUA:
  • financiaram grupos oposicionistas;
  • alimentaram a Guerra Fria no Brasil;
  • mantiveram canais de comunicação com militares golpistas;
  • prepararam a Operação Brother Sam, que enviaria navios, combustível e armas para apoiar os militares brasileiros — caso o golpe enfrentasse resistência.
  • A operação nunca precisou ser ativada porque a queda de Jango ocorreu rapidamente.
O estopim: março de 1964

A rebelião dos marinheiros (25 de março)

Um grupo de marinheiros insubordinados, apoiados por setores progressistas, reivindicou melhores condições de trabalho.

O ministro da Marinha e diversos generais exigiram uma repressão exemplar.

Jango, buscando evitar conflito, anistiou os marinheiros.

Para os militares conservadores, isso simbolizou:
  • perda de autoridade
  • subversão dentro das Forças Armadas
  • Foi tratado como “prova” de que o governo havia perdido o controle institucional.
A Marcha da Família (19 de março)

Mais de 500 mil pessoas foram às ruas de São Paulo sob o lema “contra o comunismo e pela moralização”.

O evento reuniu:
  • Igreja Católica;
  • setores empresariais;
  • organizações de classe média;
  • movimentos femininos conservadores.
  • Essa mobilização foi crucial para dar legitimidade social ao golpe.
A deflagração do golpe (31 de março)

Tudo se acelera quando tropas sob comando do general Olympio Mourão Filho marcham de Minas Gerais rumo ao Rio de Janeiro.

A narrativa interna era de “movimento de salvação nacional”.

Jango ainda tenta conter a crise:
  • desloca-se para Brasília;
  • consulta aliados;
  • avalia resistir.
  • Mas:
  • governadores militares, como Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, aderem aos golpistas;
  • setores decisivos do Exército se voltam contra o governo;
  • não há coordenação para reação;
  • Jango se recusa a provocar derramamento de sangue.
1º de abril de 1964: a queda

A Junta Militar declara a deposição de João Goulart.

Jango parte para Porto Alegre e, sem respaldo suficiente, segue para o exílio no Uruguai.

O Congresso, sob forte pressão militar, declara vaga a presidência mesmo com Jango ainda em território brasileiro, numa manobra ilegal que dá verniz institucional ao golpe.

Os primeiros atos do novo regime

Ato Institucional nº 1 (AI-1)
  • Promulgado em 9 de abril de 1964, permitiu:
  • cassar mandatos;
  • suspender direitos políticos por 10 anos;
  • intervir em estados e municípios;
  • demitir funcionários públicos;
  • instaurar inquéritos militares contra civis.
Mais de 400 pessoas foram cassadas em semanas — governadores, parlamentares, líderes sindicais, intelectuais, militares considerados “não alinhados”.

Prisão e perseguição de opositores
Logo após a tomdde poder:
  • sindicatos foram ocupados;
  • militantes de esquerda presos;
  • estudantes perseguidos;
  • professores universitários vigiados;
  • centenas de brasileiros passaram a ser monitorados pelo recém-criado aparato de inteligência.
Controle da imprensa e propaganda
  • Na fase inicial, não houve censura formal, mas houve:
  • vigilância sobre redações;
  • listas de jornalistas “subversivos;
  • demissões “sugeridas;
  • autocensura crescente.
  • Nos anos seguintes, a censura seria institucionalizada.
A ascensãode Castelo Branco

O general Humberto de Alencar Castelo Branco assume a presidência com a missão, segundo o discurso oficial, de “restaurar a ordem”.

Mas seu governo:
  • reorganizou o Estado para consolidar o poder militar;
  • editou as bases legais que ampliariam o autoritarismo;
  • iniciou reformas econômicas alinhadas aos EUA;
  • estruturou os órgãos de repressão (SNI, DOPS reforçado etc.).
Embora fosse o mais “moderado” entre os chefes militares, Castelo pavimentou juridicamente os caminhos para o endurecimento que viria com Costa e Silva e, sobretudo, com o AI-5 em 1968.

A máquina repressiva: como o Estado estruturou a violência (1964–1974) – continuação

Com a consolidação dos militares no poder e a publicação do AI-5 em 1968, a ditadura entrou em sua fase mais sombria. Este período ficou marcado pela formação de um aparato repressivo altamente coordenado, capaz de perseguir, prender, torturar e matar opositores em escala inédita no Brasil. A seguir, o aprofundamento dessa estrutura — um dos pilares centrais para entender o impacto duradouro da ditadura militar até hoje.

A expansão dos órgãos de repressão

A partir de 1969, o regime criou uma engrenagem institucional que funcionava integrada:

DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)

Ativo desde antes do golpe, ganhou poderes e autonomia para investigar e vigiar opositores políticos, sindicalistas, estudantes e artistas.

DOI-Codi (Destacamentos de Operações de Informações / Centros de Operações de Defesa Interna)

Criados em 1969, tornaram-se o núcleo do sistema de repressão. Seus agentes atuavam sem limites legais, realizando operações de captura, interrogatórios e tortura. O DOI-Codi de São Paulo, chefiado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ficou conhecido como um dos mais violentos do país.

SNI (Serviço Nacional de Informações)

Comandado inicialmente pelo general Golbery do Couto e Silva, foi o cérebro da ditadura. Coordenava informações entre Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, DOPS e serviços estaduais, criando um banco de dados amplo sobre suspeitos e opositores.

OBAN (Operação Bandeirante)

Predecessora direta do DOI-Codi-SP, surgiu como uma experiência financiada também por empresários paulistas alinhados ao regime. Tornou-se modelo de “eficiência repressiva” e influenciou a criação de estruturas similares pelo país.

Métodos de vigilância e controle

A repressão não se limitava às prisões. O Estado produziu uma cultura de medo e vigilância constante:
  •  infiltração em movimentos estudantis e sindicatos;
  •  monitoramento de cartas, telefonemas e viagens;
  •  censura de peças, músicas, jornais, revistas e programas de TV;
  •  listas negras que impediam artistas e intelectuais de trabalhar;
  •  batidas policiais em universidades e ocupação de campi, como a invasão da USP em 1969.
A lógica era eliminar qualquer ambiente considerado “subversivo”.

Prisões arbitrárias e tortura sistemática

Relatórios da Comissão Nacional da Verdade e depoimentos de sobreviventes confirmam que a tortura foi uma política de Estado, e não um “excesso isolado”. O objetivo central era obter informações rapidamente e quebrar redes de resistência. Entre os métodos mais comuns:
  • pau-de-arara
  • choques elétricos
  • afogamento (a “geladeira” e o “telefone”)
  • espancamentos severos
  • sessões de violência sexual
  • privação do sono, comida e luz
  • falsas execuções
  • uso de cães, armas e humilhações públicas
O uso de tortura contra mulheres, inclusive grávidas, foi amplamente documentado, revelando a brutalidade de gênero praticada nos centros de detenção.

Mortes e desaparecimentos

Segundo levantamentos oficiais:
  • pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram** por ação direta da ditadura;
  • a maior parte permanece sem localização até hoje;
  • famílias foram impedidas de enterrar seus parentes ou sequer receber informações sobre seus corpos.
Casos emblemáticos incluem:

Carlos Marighella (1969)

Vladimir Herzog (1975)

Stuart Angel Jones (1971)

Rubens Paiva (1971)

A ocultação sistemática de cadáveres e falsos atestados de óbito revela o caráter clandestino e profundo da violência estatal.

A resistência armada e civil

Mesmo sob intensa repressão, surgiram grupos de oposição:

ALN (Ação Libertadora Nacional)
VAR-Palmares

MR-8

VPR

PCB e dissidências estudantis

Enquanto isso, movimentos de base continuavam atuando: lideranças católicas progressistas, jornalistas censurados, artistas ligados ao Teatro Oficina e ao Cinema Novo, setores do movimento negro e grupos feministas emergentes. A luta contra a ditadura não foi apenas armada — foi cultural, intelectual, social.

 O “milagre econômico”: crescimento acelerado, propaganda e desigualdade (1968–1973)

Após consolidar seu aparato de repressão e censura, o regime militar passou a investir pesadamente numa narrativa de prosperidade econômica. Entre 1968 e 1973, o Brasil viveu um período de forte expansão, conhecido como **milagre econômico**. Foi um momento de crescimento expressivo do PIB, grandes obras de infraestrutura e intensa propaganda governamental — mas também de concentração de renda, precarização trabalhista e endividamento externo.

O motor do crescimento: investimento público, crédito externo e arrocho salarial

O milagre não ocorreu de forma espontânea. O governo utilizou três pilares fundamentais:

 Investimento estatal massivo

Empresas públicas como Petrobras, Eletrobras, Vale e Telebras foram impulsionadas para liderar grandes obras: estradas, usinas hidrelétricas, ferrovias, portos e telecomunicações.

 Endividamento externo

Com bancos internacionais oferecendo crédito abundante em meio a juros baixos, o regime contraiu empréstimos bilionários para financiar projetos de alto impacto. Essa dívida explodiria nos anos seguintes.

Arrocho salarial e contenção de movimentos trabalhistas

Salários eram reajustados abaixo da inflação, garantindo produtividade barata para empresas nacionais e multinacionais. Greves foram criminalizadas, sindicatos sofreram intervenção direta e líderes trabalhistas foram perseguidos.

Esse mecanismo ampliou o lucro das empresas, sustentando artificialmente o crescimento.

Grandes obras que marcaram o período

O regime investiu em projetos monumentais, transformados em símbolos de modernização:

Ponte Rio–Niterói

Rodovia Transamazônica

Usinas hidrelétricas (como Itaipu, iniciada em 1973)

Polo Petroquímico de Camaçari

Expansão do metrô em São Paulo e Rio

Muitas dessas obras, porém, foram criticadas por superfaturamento, trabalho forçado de presos políticos, impacto ambiental e apropriação privada de recursos públicos.

PIB em alta, mas desigualdade crescente

Entre 1968 e 1973, o crescimento anual médio do PIB ultrapassou 10%, um índice comparável a economias asiáticas do período. Porém, esse desempenho não se traduziu em distribuição de renda:
  • os 10% mais ricos aumentaram sua fatia na renda nacional;
  • os salários mínimos perderam poder de compra;
  • a pobreza urbana cresceu em capitais como Rio e São Paulo;
  • migrações internas explodiram, levando a expansão de favelas e ocupações irregulares.
  • O slogan Brasil: ame-o ou deixe-o sintetizava a propaganda nacionalista do governo e mascarava a exclusão social.
A propaganda oficial como instrumento político

O regime militar investiu fortemente em comunicação — e censura — para promover a imagem de um país pujante:
  • campanhas ufanistas em rádio e TV;
  • estímulo à indústria cultural alinhada ao governo;
  • ocultação de indicadores negativos;
  • manipulação de dados econômicos para reforçar a sensação de “progresso”.
A censura impedia críticas à política econômica, diminuindo o espaço público de debate.

O custo oculto: dependência externa e vulnerabilidade

Embora celebrados à época, os resultados do milagre tinham fragilidades estruturais:
  • dependência de empréstimos internacionais;
  • baixa diversificação produtiva;
  • inflação reprimida artificialmente;
  • salários comprimidos para manter competitividade;
  • concentração de renda em elites industriais e financeiras.
Quando a crise internacional do petróleo e a alta nos juros atingiram o mundo em 1973–1974, o milagre ruiu rapidamente, abrindo espaço para uma recessão profunda na segunda metade da década.

Crise econômica, esgotamento político e o início da abertura “lenta, gradual e segura” (1974–1979)

Com o fim do “milagre econômico” e o choque internacional do petróleo em 1973, o regime militar entrou em uma fase de desgaste acelerado. A partir de 1974, durante o governo Ernesto Geisel, o país passou a enfrentar recessão, inflação crescente, endividamento explosivo e aumento das tensões sociais — cenário que obrigou os militares a iniciar um processo moderado e controlado de abertura política.

O impacto imediato da crise internacional

O choque do petróleo elevou brutalmente os custos de importação de energia e matérias-primas. Como o Brasil dependia fortemente do petróleo externo, a economia sofreu consequências graves:
  • inflação crescente;
  • desaceleração abrupta do PIB;
  • aumento do déficit público;
  • queda da renda real dos trabalhadores;
  • paralisação de projetos de grande porte.
A dívida externa, usada para financiar o milagre econômico, tornou-se insustentável. O governo passou a contrair ainda mais empréstimos para pagar dívidas anteriores, criando um ciclo de dependência financeira.

Geisel assume e reconhece o desgaste do regime

Ao assumir em 1974, o general Ernesto Geisel avaliou que a ditadura estava chegando ao limite da sua capacidade de governar. A repressão extrema do período Médici não era mais sustentável, e a censura encontrava resistência crescente na sociedade.

Geisel iniciou então o projeto que chamou de abertura “lenta, gradual e segura”, planejado para:

1. reduzir a pressão social e política,

2. reequilibrar institucionalmente o regime,

3. manter o controle do processo de transição.

Não se tratava de uma abertura democrática plena, mas de uma liberalização calculada pelo próprio regime.

As tensões internas entre “linha-dura” e moderados

Dentro das Forças Armadas, havia divisões profundas:

“Linha-dura” defendia repressão contínua, manutenção do AI-5 e combate implacável a opositores.

Setores moderados, liderados por Geisel e Golbery do Couto e Silva, entendiam que a repressão excessiva era insustentável a longo prazo.

Essa disputa interna gerou momentos de grande tensão política, como a demissão do general Ednardo D’Ávila Mello, comandante do II Exército, após denúncias de torturas e assassinatos cometidos durante sua gestão.

Fim gradual da repressão institucionalizada

Geisel tomou medidas simbólicas e práticas:

Em 1974, iniciou a redução da censura prévia à imprensa (embora ela continuasse em muitos casos).

Em 1975, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog mobilizou a sociedade civil e pressionou ainda mais o governo.

Em 1978, a vigência do AI-5 terminou, encerrando formalmente o instrumento mais duro da ditadura.

A morte de Herzog e a reação pública transformaram-se em um marco: foi o primeiro grande enfrentamento da sociedade com o aparato repressivo.

A reorganização da oposição e o renascimento da vida política

Com o afrouxamento da repressão:
  • movimentos estudantis começaram a se reorganizar;
  • intelectuais e artistas ampliaram críticas ao regime;
  • setores da Igreja Católica, especialmente ligados à Teologia da Libertação, denunciaram violações de direitos humanos;
  • sindicatos deram sinais de retomada, preparando a onda de greves do final da década.
Nas eleições de 1974, o MDB — partido de oposição consentida — teve vitória histórica no Senado, mostrando força popular crescente.

O início da “crise do projeto militar”

A combinação de:

crise econômica duradoura,

pressão internacional pelos direitos humanos,

aumento da mobilização interna,

conflitos dentro das Forças Armadas

levou o regime a admitir que o modelo ditatorial não podia continuar. No final do governo Geisel, o Brasil já vivia uma transição lenta, mas irreversível.

Em 1979, com a chegada do general João Figueiredo, a abertura ganharia novos contornos, culminando na Lei da Anistia e na reorganização partidária.

A Lei da Anistia, a reorganização partidária e a ascensão dos movimentos sociais (1979–1983)

Com a posse do general João Figueiredo em 1979, a abertura política entrou em uma nova etapa. Apesar das resistências internas da “linha-dura”, o governo foi pressionado pela sociedade, pela crise econômica e pela crescente articulação de grupos civis, o que acelerou mudanças institucionais que marcariam o início do fim da ditadura.

A Lei da Anistia: perdão negociado e seus limites

Promulgada em agosto de 1979, a Lei da Anistia permitiu:
  • o retorno de exilados políticos;
  • a libertação de presos ligados à luta armada;
  • o cancelamento de processos contra opositores perseguidos por motivações políticas
Ao mesmo tempo, a lei protegeu militares e agentes do Estado envolvidos em tortura, sequestro e assassinats, ao interpretar esses crimes como “conexos” aos delitos políticos. Isso gerou debate intenso e permanece até hoje como um dos pontos mais controversos da redemocratização.

Para milhares de famílias, a volta de exilados — como Leonel Brizola, Miguel Arraes e Darcy Ribeiro — simbolizou uma vitória moral diante da ditadura. No entanto, para familiares de mortos e desaparecidos, a anistia incompleta representou impunidade institucionalizada.

O fim do bipartidarismo e a reorganização política

Também em 1979, o regime extinguiu o modelo bipartidário (ARENA x MDB) criado em 1965. A partir daí, partidos puderam ser reorganizados livremente, dando origem a um novo mapa político:

PDS (sucessor da Arena, base governista);

PMDB (sucessor do MDB, principal força da oposição);

PT (Partido dos Trabalhadores), fundado por sindicalistas e intelectuais;

PDT, reorganizado por Leonel Brizola;

PTB, reivindicando a herança trabalhista de Getúlio Vargas.

A pluralidade partidária fortaleceu os canais de representação e aumentou a pressão contra o regime militar, que começava a perder sustentação política.

Expansão dos movimentos sociais e o novo protagonismo das classes trabalhadoras

O final dos anos 1970 e início dos 1980 testemunharam uma explosão de movimentos sociais:

movimento estudantil reconstruiu a UNE;

movimentos de bairro e periferias urbanas organizaram reivindicações por transporte, saúde e moradia;

movimentos de mulheres ampliaram demandas por direitos civis e igualdade;

movimentos pela terra fortaleceram as bases da futura criação do MST;

movimento negro consolidou organizações como o Movimento Negro Unificado (MNU), denunciando o racismo estrutural.

Mas o maior impacto veio do movimento sindical — especialmente no ABC paulista.

As greves do ABC e o surgimento de uma nova liderança

Entre 1978 e 1980, sucessivas greves de metalúrgicos desafiaram a estrutura sindical controlada pelo regime. As paralisações:
  • denunciaram arrocho salarial;
  • expuseram a crise industrial;
  • revelaram a força política crescente da classe trabalhadora.
Desse contexto emergiu Lula, então dirigente sindical do ABC, que se tornou um dos símbolos da resistência civil ao regime. As greves eclodiam mesmo diante da repressão, prisões de líderes e tentativas do governo de sufocar os movimentos.

A deterioração econômica e a perda de controle do regime

A ditadura enfrentava um cenário devastador:
  • inflação alta e persistente;
  • dívida externa explosiva;
  • recessão prolongada;
  • desemprego crescente;
  • queda no poder de compra da população.
Com a economia em colapso, a legitimidade do regime desaparecia rapidamente. A abertura política, inicialmente lenta e controlada, começou a ganhar força própria, impulsionada pelas ruas e pela incapacidade dos militares de reverter a crise.

A violência política não desaparece

Apesar da abertura, grupos da “linha-dura” continuaram atuando:
  • atentado no Riocentro, em 1981, planejado por setores militares para culpar opositores;
  • ameaças contra sindicalistas e lideranças políticas;
  • tentativas de desacreditar o processo de distensão.
O atentado do Riocentro, cujo plano fracassou quando a bomba explodiu no próprio carro dos militares envolvidos, evidenciou o caos interno no regime e minou ainda mais sua credibilidade.

O ponto de virada

Entre 1982 e 1983, com eleições diretas para governadores, a oposição saiu fortalecida. O PMDB venceu em estados estratégicos e consolidou apoio social amplo. Ao mesmo tempo, a crise econômica atingiu patamar insuportável, acelerando o desgaste final da ditadura.

O cenário estava preparado para a próxima fase: o maior movimento popular da redemocratização

Diretas Já, a derrota do regime e o fim da ditadura (1983–1985)

A partir de 1983, a abertura política deixou de ser administrada pelos militares e passou a ser guiada pela sociedade civil. A crise econômica, a reorganização partidária e o fortalecimento dos movimentos sociais criaram um terreno fértil para o maior movimento de mobilização popular desde o pré-golpe de 1964: as Diretas Já.

A crise econômica que empurrou o regime para o abismo

No início dos anos 1980, o Brasil enfrentava:
  •  hiperinflação crescente;
  •  recessão profunda;
  •  dívida externa impagável;
  •  queda abrupta da produção industrial;
  •  desemprego e queda dos salários.
O chamado “milagre econômico”, que sustentou o regime na década anterior, havia se transformado em um colapso social. O governo perdeu sua base de apoio na elite industrial, no empresariado e mesmo entre seus antigos aliados no Congresso.

O início da campanha Diretas Já

Em 1983, o deputado Dante de Oliveira apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional para restabelecer as eleições diretas para presidente. A proposta reacendeu uma demanda reprimida desde 1964 e rapidamente se transformou em um movimento nacional.

A mobilização começou em comícios regionais e ganhou impulso durante o verão de 1983–1984, quando milhares de pessoas passaram a ocupar praças, avenidas e estádios.

Os grandes comícios: a volta do povo às ruas

Entre janeiro e abril de 1984, as manifestações explodiram:

Praça da Sé (São Paulo), com cerca de 300 mil pessoas;

Candelária (Rio de Janeiro), com mais de 1 milhão;

Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife e muitas outras capitais tiveram comícios que reuniram multidões jamais vistas sob o regime militar.

Políticos, sindicalistas, artistas, jornalistas, religiosos e cidadãos comuns uniram-se em uma mesma pauta: a retomada da democracia pelo voto direto.

A campanha Diretas Já representou:
  • o retorno da vida pública plena;
  • a articulação da sociedade civil organizada;
  • a derrota simbólica do autoritarismo.
A derrota da Emenda Dante de Oliveira

Apesar da mobilização histórica, a emenda não foi aprovada na Câmara dos Deputados. A votação aconteceu em 25 de abril de 1984:
  • a oposição obteve ampla maioria, mas não os **2/3 necessários** para aprovar a mudança constitucional;
  • militares e parte da Arena (agora PDS) articularam para esvaziar o quórum;
  • deputados governistas se ausentaram para impedir o avanço das diretas.
  • A derrota do movimento não pôs fim à mobilização; ao contrário, expôs a fragilidade do governo Figueiredo e acelerou o fim do regime.
 A ruptura dentro do PDS e o surgimento da candidatura Tancredo Neves

Após a derrota da emenda, o PDS entrou em crise. O governo apoiava o nome de Paulo Maluf, mas setores importantes da elite política e econômica romperam com ele. Parte dos governistas deixou o partido e aderiu ao PMDB.

Da articulação entre PMDB e dissidentes do PDS nasceu a Aliança Democrática, que lançou Tancredo Neves como candidato à presidência nas eleições indiretas de 1985.

A eleição indireta que sepultou o regime militar

Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral deu a vitória a Tancredo Neves, que derrotou Maluf por larga margem. A eleição marcou, simbolicamente, o fim do ciclo militar.

Foi a primeira vez em 21 anos que um civil chegava ao comando da República — mesmo que de forma indireta.

A vitória de Tancredo representou:
  • a derrota política final dos militares;
  • a legitimação da mobilização popular;
  • o início da transição definitiva para a democracia.
 A morte de Tancredo e a posse de José Sarney

Tancredo Neves adoeceu gravemente na véspera da posse e morreu em 21 de abril de 1985. Assumiu a Presidência o vice eleito, José Sarney, ex-arenista que havia rompido com o regime.

Sarney tornou-se responsável por conduzir:
  • a convocação da Assembleia Nacional Constituinte;
  • a transição institucional;
  • a reorganização da democracia brasileira.
O que ficou das Diretas Já

Mesmo derrotada no Congresso, a campanha:
  • rearticulou a cidadania;
  • deslegitimou o regime militar diante da opinião pública;
  • abriu caminho para a Constituição de 1988;
  • consolidou o protagonismo popular na política.
As Diretas Já são consideradas o momento mais expressivo de mobilização democrática da história brasileira após a redemocratização.

 A Nova República e a construção da Constituição de 1988

O fim oficial do regime militar e a eleição indireta de Tancredo Neves marcaram o início da Nova República, um período de transição política e institucional que redefiniu os pilares do Estado brasileiro. Com a posse de José Sarney em 1985, após a morte de Tancredo, o país entrou em uma nova fase — instável, tensa, mas marcada por avanços históricos.

 A transição negociada: entre o legado da ditadura e as pressões sociais

A redemocratização não foi uma ruptura brusca, mas sim um processo conduzido por pactos, concessões e disputas. Os militares deixaram o poder, mas preservaram:
  • autonomia sobre a própria estrutura institucional;
  • leis criadas durante o regime, como a Lei de Segurança Nacional;
  • influência na formação das forças de segurança estaduais;
  • presença política de quadros estratégicos da antiga Arena.
Ao mesmo tempo, a sociedade civil exigia mudanças profundas. A Nova República nasce, portanto, da tensão entre heranças autoritárias e pressões democratizantes.

A convocação da Assembleia Nacional Constituinte

Uma das principais promessas de Tancredo Neves era a criação de uma nova Constituição. Coube a Sarney, então presidente, transformar essa promessa em realidade.

Em 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 parlamentares (deputados e senadores). A Constituinte foi marcada por:
  • intensa mobilização popular;
  • participação de movimentos sociais;
  • disputas entre setores progressistas e conservadores;
  • debates sobre direitos civis, sociais e econômicos.
Durante o processo, mais de 12 milhões de assinaturas foram coletadas em abaixo-assinados com propostas de emendas populares — um marco de participação cidadã sem precedentes no Brasil.

O espírito da nova Constituição

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil recebeu o apelido de Constituição Cidadã, dado por Ulysses Guimarães.

Ela estabeleceu pilares fundamentais:

 Direitos e garantias individuais

Liberdade de expressão plena (sem censura prévia).

Habeas corpus e habeas data.

Proteção contra tortura e tratamento degradante — resposta direta aos abusos do regime militar.

Fortalecimento do Judiciário e do Ministério Público.

Estado Democrático de Direito

Pluralismo político.

Eleições diretas em todos os níveis.

Independência entre os Poderes.

Controle social sobre o Estado.

Avanços sociais

Sistema Único de Saúde (SUS).

Direito à educação básica universal.
Ampliação de direitos trabalhistas.

Proteção à maternidade, infância e minorias.

Reconhecimento de povos indígenas e quilombolas

A Constituição de 1988 foi a primeira a reconhecer direitos territoriais e culturais desses povos.

O desafio econômico da Nova República

A herança econômica do regime militar era desastrosa:
  • hiperinflação superior a 200% ao ano;
  • dívida externa gigantesca;
  • baixo crescimento;
  • perda do poder de compra dos trabalhadores.
O governo Sarney implementou sucessivos planos econômicos, como:

Plano Cruzado (1986);

Plano Bresser (1987);

Plano Verão (1989).

Esses planos tentaram conter a hiperinflação, mas tiveram efeitos temporários e instabilidade política.

 A nova ordem institucional e a herança da repressão

Apesar dos avanços, estruturas autoritárias permaneceram:
  • a Lei de Anistia de 1979 continuou protegendo torturadores;
  • arquivos da ditadura permaneceram fechados por décadas;
  • polícias estaduais mantiveram orientações militares;
Exército e Marinha preservaram autonomia e influência política.

Ou seja: embora o país tenha restaurado a democracia, o pacto de transição impediu responsabilização plena pelos crimes da ditadura.

A eleição presidencial de 1989: a primeira eleição direta em 29 anos

A Constituição determinou eleições diretas em 1989. Foi a primeira vez, desde 1960, que brasileiros escolheram seu presidente pelo voto direto.

O segundo turno colocou frente a frente:

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — representando as forças populares e sindicais;

Fernando Collor de Mello (PRN) — apoiado por setores conservadores e pela grande mídia, apresentando-se como “caçador de marajás”.

Collor venceu. Sua eleição simbolizou:
  • o início do ciclo neoliberal;
  • a ascensão de uma nova elite política;
  • um cenário ainda instável de democracia recém-restaurada.
A Ditadura Militar Brasileira (1964–1985)

Continuação – Parte 12: O “milagre” em colapso e o surgimento das fraturas internas (1974–1977)

A partir de meados da década de 1970, o regime militar entrou em uma fase decisiva. O chamado milagre econômico começou a desmoronar, a inflação disparou e a pressão internacional por direitos humanos tornou-se insustentável para o discurso oficial. Esse período marca a transição entre a hegemonia absoluta da linha-dura e o avanço lento — e conturbado — dos setores considerados “moderados” dentro do próprio regime.

O fim da euforia econômica

O crescimento acelerado que marcou os anos Médici (1969–1974) começou a perder fôlego. Grande parte daquele ciclo tinha sido sustentada por forte endividamento externo, dependência de capitais estrangeiros e crescimento forçado da industrialização pesada. Com a crise do petróleo de 1973 e o encarecimento do crédito internacional, o equilíbrio se rompeu.

O governo Ernesto Geisel, que assumiu em 1974, enfrentou uma realidade que seus antecessores haviam mascarado: aquela expansão não era sustentável. A indústria desacelerou, o custo de vida aumentou e a classe média — antes aliada fiel — passou a sentir os efeitos da recessão.

O MDB cresce e gera desconforto no poder

O desgaste econômico teve impacto político. Nas eleições de 1974 para o Senado, o MDB — partido de oposição consentida — obteve uma vitória acachapante, mesmo sob censura, perseguições e falta de acesso à mídia. Essa virada surpreendeu o governo e expôs um sentimento latente na população: a ditadura estava enfraquecida.

Ainda assim, o regime manteve a estrutura de repressão. A vitória do MDB não representava liberdade plena, mas mostrava que o país não estava mais disposto a aceitar passivamente o autoritarismo.

A disputa interna: linha-dura x grupo “moderado”

Geisel, general de perfil técnico e disciplinado, pretendia conduzir uma abertura política “lenta, gradual e segura”. No entanto, enfrentava resistência feroz da linha-dura — setores militares que rejeitavam qualquer sinal de flexibilização e defendiam a continuidade da repressão violenta.

Essa tensão deu origem a embates diretos dentro do aparelho de Estado, muitas vezes invisíveis ao público, mas profundamente determinantes para o futuro do regime.

O caso mais emblemático: os assassinatos no DOI-Codi

Mesmo após Geisel assumir, os órgãos de repressão — especialmente o DOI-Codi de São Paulo, então comandado por oficiais da linha-dura — continuaram a praticar tortura, execuções e desaparecimentos. O episódio do assassinato do militante comunista Vladimir Herzog, em 1975, tornou-se o símbolo definitivo dessa ruptura interna.

O governo tentou sustentar a versão de “suicídio”, mas a foto forjada e a mobilização social desmontaram a narrativa oficial. Foi a primeira grande derrota pública da ditadura perante a sociedade civil. Em 1976, a morte do operário Manoel Fiel Filho, também sob tortura, levou Geisel a intervir diretamente: exonerou o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello.

Esse gesto representou o primeiro movimento concreto de contenção da linha-dura.

O ano de 1977 e o “pacote de Abril”

Ainda assim, o controle político continuava rígido. Em 1977, diante do crescimento do MDB e da fragilidade do apoio ao governo no Congresso, Geisel fechou temporariamente o Legislativo e impôs o pacote de Abril, que incluía:
  • criação de senadores biônicos (nomeados indiretamente pelo regime);
  • manutenção de mecanismos que favoreciam a Arena, partido do governo;
  • limites adicionais à atuação da oposição parlamentar.
A medida mostrou que, embora falasse em abertura, o governo não estava disposto a perder o domínio institucional.

Dossiê – A Ditadura Militar Brasileira (1964–1985)

A força crescente da sociedade civil e o desgaste irreversível do regime (1977–1980)

A segunda metade da década de 1970 marcou uma virada decisiva na correlação de forças entre o governo militar e a sociedade brasileira. A combinação de crise econômica, desgaste político e fortalecimento de múltiplos movimentos sociais criou um ambiente que tornaria impossível a continuidade do regime no longo prazo.

A crise econômica se aprofunda

Após o choque inicial da crise do petróleo de 1973, a situação só piorou. O Brasil seguia endividado, dependente de empréstimos internacionais e com inflação crescente. A promessa de prosperidade que sustentou o “milagre econômico” já não convencia ninguém.

O custo de vida subia mês a mês.

Os salários eram corroídos pela inflação.

O desemprego crescia, especialmente nos centros industriais.

O período, então, passou a ser chamado de “década perdida”, marcada pela estagnação e pela frustração de amplas parcelas da população.

A Igreja Católica assume posição de enfrentamento

A Igreja, especialmente setores ligados à Teologia da Libertação e às comunidades eclesiais de base, tornou-se uma das principais vozes de contestação ao regime. Arcebispos como Dom Paulo Evaristo Arns (São Paulo) e Dom Helder Câmara (Recife) denunciaram prisões ilegais, torturas e desaparecimentos — atuação que irritou profundamente a linha-dura.

A Igreja passou a documentar violações de direitos humanos e serviu de abrigo para familiares de presos políticos, operários e estudantes perseguidos.

A imprensa começa a romper o cerco

Apesar da censura ainda ativa, veículos como Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo começaram a driblar o controle com matérias críticas, colunas implícitas, editoriais firmes e mesmo denúncias veladas sobre desaparecidos.

A estratégia dos jornais — alternando crítica e cautela — ampliou o debate público sobre os limites da ditadura.

O renascimento do movimento estudantil

Depois de ter sido desarticulado pela repressão no fim dos anos 1960, o movimento estudantil ressurgiu com força. A reconstrução da UNE, ainda ilegal, ocorreu de forma subterrânea, mas ganhou corpo com assembleias, panfletos e protestos que já não conseguiam ser contidos com a mesma eficiência.

A volta dos estudantes às ruas simbolizava o fim do medo absoluto.

A explosão do movimento operário

O fato mais marcante dessa fase foi a reorganização dos trabalhadores das regiões industriais, especialmente no ABC paulista. As greves de 1978, 1979 e 1980 reuniram milhares de metalúrgicos contra salários achatados e condições precárias.

Nessas paralisações, uma nova liderança nacional emergiu: Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema.

As greves desafiaram diretamente o governo — que respondeu com prisões, intervenções em sindicatos e detenção de lideranças — mas não conseguiu conter o avanço da mobilização.

A reconstrução da política institucional

Somadas às pressões sociais, as disputas internas do regime tornaram evidente que a abertura já não poderia ser interrompida. Em 1979, o presidente João Figueiredo sancionou:

Lei da Anistia, que beneficiou perseguidos políticos, mas também agentes do Estado envolvidos em tortura;

Reforma partidária, que extinguiu Arena e MDB e permitiu a criação de novos partidos, como PT, PDT e PDS;

Ampla reorganização eleitoral, abrindo espaço para disputas mais plurais.

A intenção do governo era controlar a transição, mas o efeito foi o oposto: a sociedade se reorganizou de forma mais rápida do que os militares esperavam.

O regime perde o controle simbólico

Os movimentos sociais, a imprensa, a Igreja e as universidades transformaram o ambiente nacional. A ditadura perdeu o monopólio da narrativa e passou a conviver com críticas abertas — algo impensável poucos anos antes.

A repressão não chegou ao fim, mas se tornou insuficiente para reverter o processo de desgaste.

Dossiê – A Ditadura Militar Brasileira (1964–1985)

A escalada das mobilizações, as Diretas Já e o colapso final da ditadura (1980–1985)

A virada dos anos 1980 marcou o início da fase mais decisiva da queda do regime militar. A abertura política, antes controlada pelos generais, ganhou força própria e passou a ser conduzida pela sociedade civil — da classe trabalhadora às instituições religiosas, passando pela imprensa, movimentos estudantis e novos partidos.

A economia entra em colapso

A crise econômica, que já era grave no fim dos anos 1970, piorou ainda mais:

A inflação disparou para índices acima dos 100% ao ano.

A dívida externa tornou-se impagável, levando o país a renegociações sucessivas.

O desemprego cresceu, assim como o custo de vida.

Empresas fecharam e o poder de compra dos salários despencou.

O chamado “arrocho salarial” passou a ser um símbolo do período. Ao mesmo tempo, o PIB encolhia e a desigualdade aumentava. Para muitos brasileiros, a percepção era clara: o regime já não tinha como garantir estabilidade.

Greves e movimentos sociais se multiplicam

Após as grandes greves do ABC, outros setores aderiram à mobilização: bancários, professores, servidores públicos e trabalhadores rurais promoveram paralisações por melhores condições de trabalho e pelo fim da repressão.

As prisões de líderes sindicais e as intervenções em sindicatos já não produziam o efeito desejado. Pelo contrário: aumentavam a solidariedade e fortaleciam a oposição.

A explosão dos novos partidos

Com a reforma partidária de 1979, surgiram legendas que moldariam o futuro político do país:

PT (Partido dos Trabalhadores), ligado aos movimentos operários e aos setores progressistas da Igreja;

PDT, de Leonel Brizola;

PMDB, herdeiro do MDB, que se tornaria o principal articulador da transição democrática;

PDS, sucessor da Arena, partido oficial da ditadura.

A volta de figuras históricas — como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Brizola — animou a militância e reacendeu a mobilização eleitoral.

Surgem novos movimentos sociais
  • A década de 1980 viu também novas formas de organização:
  • movimentos de bairro e associações comunitárias;
  • o início do movimento ambientalista;
  • o movimento negro ganhando organização nacional;
  • grupos feministas defendendo direitos civis, trabalhistas e reprodutivos.
A pluralidade de vozes confirmava que a sociedade não estava mais disposta a aceitar o controle militar.

A Anistia e o retorno dos exilados

A Lei da Anistia, sancionada em 1979, permitiu o retorno de centenas de exilados políticos — e junto com eles, ideias, debates e lideranças que há anos estavam fora do país.

Voltam nomes como:

Leonel Brizola,

Miguel Arraes,

Fernando Gabeira,

Luiz Carlos Prestes.

A volta desses personagens intensificou o debate político e expôs ainda mais as contradições do regime.

A imprensa rompe de vez com a censura

A partir de 1980, a censura prévia começa a desaparecer. Jornais e revistas publicam denúncias, reportagens investigativas e entrevistas com opositores.

Revistas como Veja, IstoÉ e Senhor dedicavam capas ao declínio da ditadura.

A TV também ampliou espaço para debates públicos e cobertura política.

A ditadura perde um dos seus pilares centrais: o controle da informação.

A eleição de 1982 e o enfraquecimento da linha-dura

As eleições diretas para governadores, em 1982, marcaram um ponto de não retorno:

PMDB venceu em estados importantes como São Paulo (Franco Montoro), Minas Gerais (Tancredo Neves) e Rio de Janeiro (Leonel Brizola).

A oposição ganhou musculatura institucional, recursos, palanques e legitimidade.

A partir daí, o regime perdeu a capacidade de controlar a narrativa política nacional.

1983–1984: nasce a campanha Diretas Já

Com inflação galopante, desemprego crescente e um governo cada vez mais isolado, o país entrou em ebulição.

Em 1983, deputados como Dante de Oliveira, Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela iniciam a articulação por eleições diretas para presidente.

No início de 1984, as primeiras manifestações enchem praças e avenidas:

 Praça da Sé (SP)

 Candelária (RJ)

 Praça da Liberdade (BH)

 Praça do Ferreira (CE)

 Comício das Diretas no Vale do Anhangabaú, com cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Artistas, políticos, sindicalistas, jornalistas e estudantes se uniram em torno de um mesmo grito:

Diretas Já!”

Mesmo com a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso — resultado da pressão da linha-dura militar — a ditadura já não tinha volta.

O colapso final (1985)

Enfraquecido, o regime aceitou a eleição indireta no Colégio Eleitoral para escolher o sucessor de Figueiredo.

A oposição se uniu em torno de Tancredo Neves, que venceu o candidato do governo, Paulo Maluf, numa derrota simbólica devastadora para os militares.

Tancredo, porém, adoeceu gravemente antes da posse e morreu em 21 de abril de 1985.

Assume o vice, José Sarney, ex-quadro da Arena, mas convertido ao campo da transição democrática.

Com ele, encerra-se formalmente a ditadura militar.

Dossiê – A Ditadura Militar Brasileira (1964–1985)

O legado da ditadura, seus impactos e a disputa pela memória histórica (1985–hoje)

A queda formal da ditadura em 1985 não encerrou seus efeitos. Pelo contrário: o país entrou em uma longa e complexa fase de reconstrução democrática enquanto enfrentava as consequências estruturais, institucionais e sociais de 21 anos de autoritarismo.

A partir deste trecho, seguimos analisando os principais legados da ditadura e como eles moldam até hoje a política, a segurança pública, a educação, o sistema de comunicação e até a cultura brasileira.

A transição sem ruptura e o pacto silencioso de 1985

Diferentemente de países como Argentina e Chile, o Brasil viveu uma transição pactuada, sem julgamentos de militares e sem ruptura completa com o aparelho de Estado.

As Forças Armadas mantiveram:
  • autonomia institucional;
  • controle sobre a própria narrativa histórica;
  • influência na política de segurança;
  • proteção legal por meio da Lei da Anistia.
Este pacto silencioso dificultou revisões históricas profundas e permitiu que setores militares continuassem atuando como “moderadores” na política — ideia que se tornaria central décadas depois.

 A Lei da Anistia e o debate jurídico

A Lei da Anistia de 1979, interpretada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010 como válida para militares acusados de tortura, é considerada um dos pilares da impunidade.

Enquanto outros países revisaram leis semelhantes e julgaram agentes do Estado por crimes contra a humanidade, no Brasil:
  • nenhum torturador foi julgado;
  • nenhum comandante de centros de repressão foi responsabilizado;
  • crimes de desaparecimento forçado seguem sem respostas.
Esta impunidade dificultou a construção de uma memória coletiva sólida e criou terreno para narrativas negacionistas.

As sequelas na segurança pública

As polícias brasileiras herdaram da ditadura:
  • a lógica de enfrentamento e guerra;
  • a militarização das estruturas;
  • a cultura da violência como instrumento de controle social;
  • a ideia de “inimigo interno”.
O resultado foi um dos modelos de policiamento mais letais do mundo, principalmente contra jovens negros e pobres.

Mesmo após a redemocratização, reformas profundas nunca foram implementadas. A militarização da PM permanece, e parte da doutrina continua originalmente inspirada nos manuais do período de exceção.

A herança econômica: concentração de renda e atraso estrutural

O “milagre econômico” conviveu com:
  • salários congelados;
  • aumento da desigualdade;
  • benefícios fiscais para grandes grupos;
  • endividamento externo massivo.
O colapso econômico que marcou os anos 1980 — a chamada **“década perdida”** — foi, em grande parte, resultado das escolhas feitas pelos governos militares.

Mesmo hoje, muitos efeitos persistem:
  • dependência tecnológica;
  • estrutura industrial frágil;
  • concentração de riqueza e terra.
A desinformação e a disputa pela narrativa histórica

Da década de 1990 em diante, grupos políticos e militares trabalharam para reconstruir uma interpretação positiva do golpe de 1964, chamando-o de revolução” e justificando a repressão como resposta ao “caos”.

Com a internet e as redes sociais, essa narrativa se ampliou:
  • revisionismo histórico;
  • negação de torturas;
  • exaltação de torturadores;
  • discursos pedindo “intervenção militar”.
Esses movimentos ganharam força especialmente nos anos 2010, alimentando uma das maiores disputas de memória da história recente.

A Comissão Nacional da Verdade (2012–2014)

Instalada quase 30 anos após o fim da ditadura, a CNV foi o mais amplo esforço oficial para investigar os crimes cometidos pelo regime.

O relatório final trouxe:
  • identificação de 434 mortos e desaparecidos politicamente;
  • responsabilização direta de mais de 300 agentes de Estado;
  • descrição detalhada de métodos de tortura, centros clandestinos e cadeias de comando;
  • recomendações para reformar instituições de segurança.
Apesar da importância histórica, suas conclusões foram rejeitadas por setores militares e parcialmente ignoradas pelo Estado.

O impacto na política contemporânea

A relação entre as Forças Armadas e o poder civil segue como um dos temas mais sensíveis da democracia brasileira.

Entre os principais efeitos:
  • discurso militarizado reaparecendo na política;
  • uso simbólico da ditadura por candidatos;
  • participação de militares em governos civis;
  • reivindicação do papel de “garantidores da ordem”.
Os anos recentes mostraram como a memória incompleta do período autoritário continua influenciando crises políticas, polarização e a própria estabilidade democrática.

A luta pela memória, verdade e justiça no século XXI

Mesmo diante de resistência institucional, movimentos de familiares de desaparecidos, historiadores, jornalistas e organizações de direitos humanos seguem buscando:
  • abertura de arquivos secretos;
  • identificação de corpos em valas clandestinas;
  • criação de memoriais e museus;
  • inclusão mais profunda do tema na educação básica;
  • revisão judicial da interpretação da Lei da Anistia.
A disputa pela narrativa do passado continua sendo, ao mesmo tempo, uma disputa pelo futuro da democracia no Brasil.

Dossiê – A Ditadura Militar Brasileira (1964–1985)
Os personagens centrais do regime e da resistência

Nesta etapa do dossiê, aprofundamos o papel dos principais personagens — tanto do aparato autoritário quanto da oposição ao regime — para entender como suas trajetórias individuais moldaram decisões, políticas e eventos cruciais.

 Os presidentes militares (1964–1985)

Embora seguissem uma mesma estrutura institucional, cada presidente imprimiu sua marca ao regime, seja no grau de repressão, na política econômica ou no relacionamento com a sociedade civil.

Humberto de Alencar Castelo Branco (1964–1967)

Primeiro presidente pós-golpe, apoiado por setores conservadores e parte do Congresso. Sua gestão buscou:
  • institucionalizar o golpe
  • promover reformas econômicas alinhadas ao capital estrangeiro;
  • consolidar os Atos Institucionais.
Castelo Branco aprovou o AI-2, que extinguiu partidos políticos e abriu caminho para o bipartidarismo (ARENA e MDB).

Artur da Costa e Silva (1967–1969)

Representante da “linha-dura”, ampliou a repressão. Em sua gestão, o regime enfrentou:
  • crescimento das manifestações estudantis;
  • recrudescimento da censura;
  • ascensão das organizações armadas.
Seu governo culminou no AI-5 (1968), o ato mais autoritário da ditadura, que:
  •  fechou o Congresso;
  •  eliminou o habeas corpus para crimes políticos;
  •  institucionalizou a tortura e desaparecimentos.
Afastado por derrame cerebral, foi substituído por uma junta militar.

Emílio Garrastazu Médici (1969–1974)

Período mais duro do regime, com:
  • desaparecimentos forçados;
  • assassinatos de opositores;
  • cerco total à imprensa;
  • criação dos DOI-CODI como núcleos de tortura.
Paralelamente, o governo promoveu o milagre econômico, expandindo obras faraônicas e propaganda massiva, como o slogan "Brasil: ame-o ou deixe-o".

Ernesto Geisel (1974–1979)

Responsável pela chamada “abertura lenta, gradual e segura”. Buscou:
  • reduzir o poder da linha-dura;
  • retirar militares radicais dos comandos;
  • reaproximar o regime da sociedade civil.
Durante seu governo, porém, ainda ocorreram assassinatos políticos, como o do jornalista Vladimir Herzog (1975).

Geisel acabou com o AI-5 em 1978 e iniciou o processo de distensão.

João Baptista Figueiredo (1979–1985)

Último presidente da ditadura, responsável por:
  • sancionar a Lei da Anistia;
  • liberar a volta de exilados;
  • enfrentar uma avalanche de greves operárias;
  • conviver com a crise econômica e isolação política.
Sua tentativa de controlar o ritmo da abertura fracassou. A sociedade já exigia o fim do regime — culminando no movimento Diretas Já.

Os estrategistas da repressão

A ditadura possuía figuras centrais no aparato repressivo, responsáveis pela criação de estruturas clandestinas e métodos de tortura.

Carlos Alberto Brilhante Ustra

Comandante do DOI-CODI de São Paulo (1970–1974), considerado o mais violento do país. Foi o primeiro agente do Estado reconhecido judicialmente como torturador. Diversos sobreviventes relatam:
  • choques elétricos;
  • pau-de-arara;
  • afogamento;
  • violência sexual;
  • tortura de mulheres grávidas.
Tornou-se símbolo da lógica repressiva do regime.

Frederico Eduardo Mayr e Sérgio Paranhos Fleury

Mayr atuou como agente do DOI-CODI e está associado a sequestros e assassinatos.

Fleury, delegado do DOPS/SP, comandou prisões ilegais, mortes e operações clandestinas contra opositores.

Ambos representam o uso da polícia civil como braço armado da repressão.

 Os líderes da oposição institucional

Parte da resistência atuou dentro das instituições, sobretudo no MDB.

Ulysses Guimarães

Símbolo maior da oposição democrática. Como líder do MDB:
  • denunciou violações de direitos humanos;
  • articulou pressão contra o regime;
  • conduziu a campanha das Diretas Já;
  • presidiu a Assembleia Constituinte de 1987-1988.
Chamado de “Senhor Diretas”, foi peça-chave na transição.

Tancredo Neves

Figura moderada, articulador habilidoso. Representou um consenso civil contra a ditadura:
  • articulou a Aliança Democrática;
  • venceu o Colégio Eleitoral em 1985;
  • morreu antes de tomar posse.
Sua eleição simbolizou o fim político do regime.

Os movimentos que formaram a resistência popular

A resistência não foi só armada nem restrita a políticos. Ela foi ampla, plural e contínua.

Estudantes e o combate nas ruas

A União Nacional dos Estudantes (UNE) foi duramente reprimida, mas:
  • promoveu passeatas;
  • organizou redes de apoio;
  • forneceu quadros políticos à oposição.
O assassinato de Edson Luís (1968) foi um catalisador da mobilização.

 Jornalistas e intelectuais

Trabalhavam com censores ao lado e enfrentavam prisões, exílios e cassações. Destacam-se:

Vladimir Herzog;

Carlos Heitor Cony;

Paulo Francis;

Henfil;

Zuenir Ventura.

Alguns jornais criaram estratégias para driblar a censura, como publicar receitas ou poemas quando textos políticos eram vetados.

A Igreja Católica progressista

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tornou-se um polo de defesa dos direitos humanos.

Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, recebeu fama mundial ao denunciar a tortura — mesmo sendo censurado dentro do país.

O movimento operário

Nos anos 1970 e 1980, o ABC paulista tornou-se o principal foco de mobilização sindical do país. As greves lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva e metalúrgicos desafiaram o regime e reabriram a participação política das massas.

A Ditadura Militar Brasileira (1964–1985)

Continuação – Parte 17: A luta armada no Brasil — grupos, estratégias, ações e consequências

A resistência armada à ditadura militar no Brasil foi relativamente pequena se comparada à de outros países do Cone Sul, mas teve importância simbólica e histórica decisiva. Ela surgiu como reação direta ao fechamento total das vias democráticas — especialmente após o AI-5, quando protestos, partidos e sindicatos foram esmagados pela repressão.

A seguir, detalhamos os principais grupos, suas ações, motivações internas, contradições e impacto na história do regime.

Por que surgiu a luta armada no Brasil?

Após o AI-5 (1968), a ditadura eliminou:
  • o habeas corpus,
  • o Congresso Nacional,
  • a liberdade de imprensa,
  • a atuação de partidos,
  • o direito de manifestação.
Diante disso, parte da esquerda — inspirada pela Revolução Cubana (1959), pelo Vietnã e pelas guerrilhas latino-americanas — concluiu que a única saída era a luta revolucionária armada.

Para muitos militantes, tratava-se de:
  • uma luta contra a tortura e censura;
  • uma resposta à violência de Estado;
  • um projeto de transformação social.
No entanto, a clandestinidade trouxe erros estratégicos, isolamento popular e vulnerabilidade extrema.

Os principais grupos da luta armada

Ação Libertadora Nacional (ALN)

Liderada por Carlos Marighella, ex-deputado cassado, foi o maior grupo urbano. Defendia:
  • guerrilha urbana;
  • sabotagens;
  • expropriações (assaltos a bancos para financiar a resistência).
A ALN acreditava que pequenas ações armadas desencadeariam a mobilização das massas. Marighella foi morto em 1969 em uma emboscada do DOPS.

Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)

Comandada por Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército, defendia ações mais diretas e espectaculares, como:

  • assaltos a bancos;
  • ataques a quartéis;
  • treinamentos de guerrilha rural.
Lamarca tornou-se ícone da deserção militar. Foi morto em 1971 na Bahia após grande operação repressiva.

MR-8 — Movimento Revolucionário 8 de Outubro

Conhecido pelo sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick (1969), em parceria com a ALN. Esse sequestro:
  • pressionou o regime;
  • resultou na libertação de 15 presos políticos;
  • expôs internacionalmente a tortura no Brasil.
O nome do grupo homenageia Che Guevara, morto em 8 de outubro.

 PCdoB — Guerrilha do Araguaia

Foi o maior projeto rural de guerrilha no Brasil, entre 1972 e 1974. O PCdoB implantou bases na região do rio Araguaia, com:
  • treinamento de jovens militantes;
  • tentativa de aliança com camponeses;
  • estratégia inspirada na guerra popular prolongada da China.
A repressão respondeu com uma das mais brutais operações militares do período, incluindo:
  • execuções sumárias;
  • desaparecimentos;
  • ocultação de cadáveres.
Até hoje, muitos guerrilheiros seguem desaparecidos.

VAR-Palmares

Organização que teve como militante — ainda jovem — Dilma Rousseff. A VAR defendia:
  • sabotagens;
  • ações coordenadas em várias cidades;
  • formação política.
Seu maior impacto foi a explosão do cofre de Adhemar de Barros, que rendeu recursos para a resistência.

As principais ações da luta armada

As ações tinham objetivos variados: libertar presos políticos, denunciar o regime, expropriar recursos ou atacar estruturas repressivas.

Entre as mais marcantes:

Sequestro do embaixador Charles Elbrick (1969).

Sequestro dos embaixadores da Alemanha (1970) e da Suíça (1971).

Explosões em quartéis, delegacias e centros de comando.

Assaltos a bancos para financiar a resistência.

Sabotagens contra empresas e instalações militares.

No Araguaia, houve combates diretos contra o Exército.

 A repressão à luta armada

A ditadura montou a mais sofisticada estrutura clandestina da história do Brasil:

DOI-CODI (Exército)

CIE (Centro de Informações do Exército)

SNI (Serviço Nacional de Informações)

DOPS (Polícias Civil e Militar)

A repressão adotou:
  • desaparecimentos forçados;
  • tortura sistemática;
  • infiltração de agentes;
  • execuções extrajudiciais;
  • destruição de documentos.
Entre 1969 e 1974, praticamente toda a resistência armada foi desmantelada.

Contradições internas e limites da luta armada

Apesar de heroica para muitos militantes e fundamental para denunciar a ditadura, a luta armada enfrentou problemas estruturais:
  • falta de apoio popular;
  • isolamento político;
  • divergências estratégicas internas;
  • erros táticos que facilitaram infiltrações;
  • distanciamento das grandes massas trabalhadoras.
Além disso, a extrema violência do Estado tornou quase impossível manter estruturas clandestinas.

O legado da luta armada

A resistência armada:
  • expôs internacionalmente as violações do regime;
  • pressionou o Estado a admitir a existência da tortura;
  • criou parte dos quadros políticos que, anos depois, participariam da redemocratização;
  • tornou-se capítulo central da memória histórica.
Mas também gerou debates até hoje sobre métodos, eficácia e escolhas.

A reabertura política e o “abismo” entre anistia e justiça (continuação)

A partir de 1979, com a promulgação da Lei da Anistia, o regime militar entrou numa fase de erosão acelerada. Embora celebrada por grande parte da sociedade, a anistia nasceu com um “DNA ambíguo”: devolveu direitos aos perseguidos, mas também blindou agentes do Estado envolvidos em torturas, assassinatos e desaparecimentos. Esse ponto se tornaria um dos principais dilemas do Brasil democrático nas décadas seguintes.

Nos anos finais da ditadura, as instituições passaram a se reorganizar de forma gradual, ainda vigiadas pelos militares. Partidos foram recompostos e novos surgiram, sindicatos retomaram força e a imprensa recuperou parte da liberdade sufocada pelo AI-5. A crise econômica — marcada por hiperinflação, estagnação e perda de poder de compra — desgastava a autoridade do governo Figueiredo, último general-presidente.

A repressão, porém, não desapareceu: permaneceu ativa contra movimentos sociais, sobretudo no campo e nas periferias urbanas. Episódios como a morte de trabalhadores rurais no sul do Pará, perseguições a padres ligados à Teologia da Libertação e o monitoramento constante do movimento estudantil mostravam que a transição seria lenta e tensa.

A pressão popular ganhou novo fôlego em 1983, com a campanha das Diretas Já. Cerca de 2 milhões de pessoas ocuparam o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, no maior comício desde a década de 1960. Embora a emenda Dante de Oliveira tenha sido derrotada no Congresso, o movimento alterou o clima político do país e tornou inevitável a escolha civil de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral em 1985 — encerrando simbolicamente a série de presidentes-generais.

A transição, porém, não foi ruptura; foi pacto. A ausência de punições, a permanência das Forças Armadas como árbitro silencioso e a manutenção de estruturas de segurança herdadas da ditadura prolongariam, por décadas, os efeitos daquele período.

A Constituição de 1988 e o desafio de democratizar forças de segurança (continuação)

A promulgação da Constituição de 1988 marcou um divisor de águas na história brasileira. Elaborada sob forte participação social — com mais de 120 emendas populares apresentadas — a Carta buscou construir um país avesso aos mecanismos de autoritarismo que sustentaram o regime militar. No entanto, as marcas da ditadura permaneceram entranhadas em vários pontos sensíveis, especialmente na organização das forças de segurança e na relação entre civis e militares.

A nova Constituição ampliou direitos fundamentais, reforçou garantias individuais, extinguiu a censura, reconheceu a liberdade sindical e inaugurou uma ordem social mais robusta. Entretanto, quando tratou das Forças Armadas, o texto preservou estruturas herdadas do período autoritário. O artigo 142, por exemplo, definiu Exército, Marinha e Aeronáutica como instituições “sob autoridade suprema do Presidente”, porém com a missão de garantir “a lei e a ordem” — uma expressão ambígua que, décadas depois, seria mobilizada em situações de tensão política.

Também foi mantido o modelo de polícias militares estaduais como forças auxiliares e reservas do Exército, perpetuando a lógica militarizada de policiamento interno. Essa arquitetura institucional dificultaria, na prática, o controle civil pleno e a responsabilização de agentes envolvidos em abusos.

Durante os anos 1990, episódios como o massacre do Carandiru (1992) e chacinas cometidas por grupos de extermínio e milícias mostravam que a violência de Estado seguia viva em partes da engrenagem policial. Ao mesmo tempo, a Lei de Anistia continuava blindando torturadores identificados por depoimentos e documentos. Enquanto Argentina, Chile e Uruguai caminhavam para julgamentos e revisões profundas de seus aparatos repressivos, o Brasil optava pela estabilidade negociada — e, com ela, pela permanência de sombras do passado.

A Constituinte avançou muito em termos de direitos, mas a democratização das instituições armadas ficou pela metade. A transição pactuada, que evitou rupturas, permitiu que antigas doutrinas sobrevivessem dentro de quartéis e corporações. Em diversas situações, governadores e presidentes sentiram a pressão de comandantes e setores militares, que seguiam influentes nos bastidores.

Esse cenário explicaria, anos mais tarde, por que crises políticas envolveriam novamente militares — algo impensável para países que fizeram reformas profundas pós-ditadura.

Memória, Verdade e Justiça: das primeiras pressões às Comissões da Verdade (continuação)

Nos anos seguintes à redemocratização, o Brasil enfrentou um longo e complexo debate sobre como lidar com os crimes cometidos pela ditadura militar. Ao contrário de países vizinhos que avançaram rapidamente em processos de justiça transicional, o Brasil adotou uma postura mais lenta, marcada pela resistência das Forças Armadas e pela interpretação extensa da Lei da Anistia.

Durante toda a década de 1990, organizações de direitos humanos e familiares de vítimas atuaram de forma quase solitária na busca por informações. A pressão internacional — especialmente a partir de organismos da ONU e da Corte Interamericana — reforçou a necessidade de o Brasil enfrentar seu passado. Ainda assim, as Forças Armadas continuavam a negar sistematicamente a existência de tortura institucionalizada, assassinatos e desaparecimentos forçados.

Foi apenas no início dos anos 2000 que esse cenário começou a mudar. Em 2002, a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos permitiu que o Estado brasileiro reconhecesse oficialmente 136 casos de assassinatos cometidos pelo regime. Mais tarde, a publicação do projeto Memórias Reveladas, em 2009, possibilitou o início da abertura de acervos antes mantidos sob sigilo, incluindo documentos do extinto SNI — Serviço Nacional de Informações.

O marco decisivo, porém, veio com a instalação da **Comissão Nacional da Verdade (CNV)** em 2012. Fruto de um projeto apresentado durante o governo Lula e implementado no governo Dilma Rousseff, a CNV tinha como missão investigar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, mas com foco especial nos anos de ditadura.

Ao longo de dois anos e meio de trabalho, a Comissão ouviu mais de mil testemunhas, analisou milhares de páginas de documentos e produziu, em 2014, um relatório robusto que apontou:
  • a existência de uma cadeia de comando que autorizava sistematicamente a tortura
  • ao menos 434 mortos e desaparecidos políticos (número considerado subestimado pelos próprios integrantes)
  • a responsabilidade direta de mais de 370 agentes públicos
  • a participação ativa de civis na sustentação do regime
  • a atuação de estruturas clandestinas que continuaram operando até o final dos anos 1980
O relatório também recomendou reformas profundas, como a desmilitarização da polícia, mudanças no sistema de inteligência e o fim da Lei da Anistia para crimes de tortura e assassinato.

Apesar do impacto político, a reação institucional foi limitada. As Forças Armadas rejeitaram formalmente as conclusões da CNV, e nenhuma reforma estrutural foi aprovada pelo Congresso. Ao mesmo tempo, parte da sociedade — especialmente entre grupos conservadores — passou a questionar a legitimidade das investigações, alimentando discursos que relativizavam crimes do regime.

Essa disputa de memória abriria caminho, anos depois, para a ascensão de movimentos políticos que exaltariam a ditadura e transformariam torturadores em símbolos ideológicos. A falta de enfrentamento pleno do passado se tornaria um dos fatores centrais para compreender a reaproximação de setores militares com a política no Brasil contemporâneo.

A Reaproximação dos Militares da Política nos Anos 2000 e 2010

Com a Constituição de 1988, muitos imaginavam que as Forças Armadas permaneceriam afastadas da vida política, restritas às funções constitucionais de defesa da pátria e garantia da lei e da ordem em situações excepcionais. No entanto, ao longo das décadas seguintes, uma combinação de lacunas institucionais, pressões políticas e disputas internas conduziu a uma lenta, porém constante, reaproximação dos militares da arena civil.

Durante os anos 1990 e início dos anos 2000, a instituição ainda buscava reconstruir sua imagem após os abusos do regime militar. Nesse período, as Forças Armadas enfrentavam limitações orçamentárias, perda de prestígio institucional e uma redefinição estratégica de suas missões. As operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), executadas em momentos de crise, ganharam importância, tornando-se uma porta de entrada para a atuação militar em temas de segurança pública — área que transcende sua atuação tradicional.

A ascensão dos governos Lula e Dilma Rousseff marcou um novo capítulo. Em paralelo aos investimentos na modernização das Forças Armadas — como a compra de caças Gripen, o programa de submarinos e o fortalecimento da indústria de defesa — cresceu também o poder político de oficiais da ativa e da reserva. A relação, às vezes de cooperação, às vezes de tensão, ganhou contornos mais evidentes com episódios como:
  • a reação militar ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) em 2009, que propunha revisões da Lei da Anistia.
  • o desconforto com o projeto das Comissões da Verdade, visto por parte do alto comando como uma ameaça institucional.
  • o debate sobre o papel das GLOs, que ampliava a presença das Forças Armadas nas ruas e em atividades de segurança pública.
O contexto internacional também influenciou esse movimento. A Guerra ao Terror após 2001, e a doutrina global de segurança, reforçaram a ideia de que militares deveriam atuar em temas amplos, como inteligência, fronteiras e narcotráfico. O Brasil incorporou esse discurso em documentos estratégicos como a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa, que ampliavam a relevância das Forças Armadas no cenário nacional.

Mas foi a partir da crise política iniciada em 2013 — com protestos massivos, polarização crescente e instabilidade institucional — que o papel dos militares começou a se transformar de forma profunda. A queda de prestígio do sistema político tradicional, a ascensão de um discurso antissistema e o uso das redes sociais abriram espaço para que figuras militares aparecessem como símbolos de autoridade, ordem e combate à corrupção.

A eleição de 2014, a Operação Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff criaram um ambiente em que declarações públicas de generais passaram a interferir diretamente no debate político. A famosa fala do general Eduardo Villas Bôas, em 2018, pressionando o Supremo Tribunal Federal às vésperas de um julgamento sobre a prisão de Lula, é um dos exemplos mais marcantes desse novo cenário.

O movimento se completaria com a chegada de Jair Bolsonaro — capitão reformado e defensor declarado do regime militar — à presidência da República em 2019. Seu governo marcou a maior presença militar no Poder Executivo desde 1985, com milhares de cargos ocupados por militares da ativa e da reserva, inclusive em ministérios estratégicos. A simbiose entre governo e Forças Armadas reacendeu debates sobre autonomia militar, limites institucionais e o risco de politização das tropas.

Esse processo seria determinante para os eventos críticos que se desdobrariam nos anos seguintes — culminando na crise democrática que marcou o final do governo Bolsonaro e os ataques de 8 de janeiro de 2023.

A Crise Democrática Durante o Governo Bolsonaro e o Caminho até o 8 de Janeiro

A chegada de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2019, representou a maior inflexão político-militar desde o fim da ditadura. Pela primeira vez desde a redemocratização, um presidente eleito fazia elogios explícitos ao regime militar, celebrava torturadores como Carlos Alberto Brilhante Ustra e prometia resgatar valores que, segundo ele, “haviam sido destruídos pela esquerda”. Para além do discurso, Bolsonaro construiu um governo onde militares ocupavam não apenas posições técnicas, mas também espaços decisórios, influenciando diretamente rumos políticos, administrativos e estratégicos.

A estrutura de poder montada ao longo de seu mandato reforçou essa lógica. Generais da ativa e da reserva assumiram ministérios como Defesa, Casa Civil, Secretaria de Governo e Saúde; almirantes e brigadeiros também ganharam protagonismo. O país assistiu a uma duplicação do número de militares em cargos comissionados. Houve uma militarização da política — e uma politização dos quartéis.

Esse cenário se aprofundou com a pandemia de Covid-19. A entrada do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, em meio à maior crise sanitária do século, colocou o Exército no centro do debate público sobre gestão, logística e responsabilidade. Episódios como o colapso do oxigênio em Manaus e a crise das vacinas expuseram tensões internas e acirraram críticas ao envolvimento militar em áreas civis sem preparo técnico adequado.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro fortalecia seu discurso contra o sistema eleitoral brasileiro. Alimentando dúvidas infundadas sobre a segurança das urnas eletrônicas, recorria ao apoio de militares para legitimar suspeitas sem evidências. O Ministério da Defesa, sob influência do presidente, passou a questionar formalmente o TSE — um gesto sem precedentes desde 1985. O ambiente de ruptura era alimentado diariamente nas redes sociais, com ataques a ministros do Supremo, convocações para atos antidemocráticos e o incentivo à radicalização de sua base.

Nas eleições de 2022, mesmo após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro manteve silêncio público por semanas, enquanto seus apoiadores bloqueavam estradas, pediam intervenção militar e acampavam diante de quartéis em todo o país. A ideia de uma “solução militar” passou a circular abertamente entre extremistas. A falta de reação imediata de autoridades militares diante dessas mobilizações gerou profunda preocupação institucional.

Esse ambiente explosivo desembocaria, em 8 de janeiro de 2023, no maior ataque às instituições brasileiras desde a redemocratização. Multidões golpistas invadiram e depredaram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, buscando forçar uma ruptura que impedisse a posse já consolidada do novo governo. Investigações posteriores revelaram omissões, conivências e até articulações envolvendo militares da reserva e da ativa, além de autoridades do governo anterior.

O episódio marcou um ponto de inflexão: pela primeira vez desde 1985, o país precisou reagir a uma tentativa organizada de golpe. A resposta institucional, conduzida pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Ministério Público, pelo Congresso e pelo governo Lula, buscou restabelecer limites constitucionais e reconstruir a autoridade civil sobre os quartéis.

As consequências do 8 de Janeiro ainda estão em curso, com dezenas de condenações no STF, investigações de generais e coronéis, e uma mudança significativa na relação entre governo e Forças Armadas. Mas o trauma expôs algo maior: a transição de 1985, que manteve estruturas militares intocadas, deixara uma porta entreaberta para a intervenção. Essa porta só seria realmente fechada com um esforço consciente de reconstrução democrática.

As Investigações Pós-8 de Janeiro e o Novo Debate sobre o Controle Civil dos Militares

As investigações desencadeadas após os ataques de 8 de janeiro de 2023 abriram um dos processos mais extensos e sensíveis da história recente do Brasil. Pela primeira vez desde o fim da ditadura, generais de alta patente, ex-ministros militares e integrantes das Forças Armadas passaram a ser investigados por suspeitas de envolvimento, omissão ou incentivo à tentativa de ruptura institucional.

Logo após a invasão dos prédios dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal e a Polícia Federal desencadearam operações que, ao longo de 2023 e 2024, revelaram uma teia de articulações que ultrapassava a atuação de grupos extremistas de base. Documentos, mensagens e depoimentos indicavam que setores próximos ao então presidente Jair Bolsonaro estudaram alternativas para impedir a posse de Lula ou anular o processo eleitoral — do questionamento infundado das urnas à elaboração de minutas golpistas prevendo estado de sítio e intervenção militar.

As apurações mostraram que o acampamento organizado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, não era apenas uma manifestação espontânea. Relatórios da PF apontaram indícios de facilitação logística, omissões de comando e comunicação direta de alguns militares com organizadores e financiadores dos atos. O silêncio prolongado da cúpula das Forças Armadas e a demora na dispersão dos acampamentos alimentaram a suspeita de tolerância — e, em alguns casos, simpatia — por parte de oficiais.

Um dos pontos mais delicados das investigações foi o papel do Exército durante a invasão. Houve registros de militares impedindo a prisão de terroristas no dia seguinte ao ataque, quando a PM do Distrito Federal tentava retirar manifestantes do quartel. Esse episódio, amplamente documentado, acirrou a crise entre o governo Lula e a instituição, culminando na demissão do então comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda.

À medida que a PF aprofundou as apurações, figuras-chave do governo Bolsonaro passaram a ser investigadas: ex-ministros da Defesa, assessores presidenciais, integrantes do GSI e oficiais de alta patente. O general Augusto Heleno, o general Braga Netto e o general Paulo Sérgio de Oliveira, entre outros, tiveram condutas examinadas em inquéritos que buscavam compreender o grau de participação ou anuência na trama.

Paralelamente, o STF começou a julgar os executores diretos do 8 de Janeiro. As condenações, muitas ultrapassando 10 ou 15 anos de prisão, sinalizaram que a Corte trataria o evento como terrorismo e atentado contra o Estado Democrático de Direito. Mas a pressão pública se voltou também aos articuladores e financiadores, reacendendo o debate sobre a necessidade de responsabilização exemplar para romper com a tradição brasileira de impunidade para rupturas institucionais.

Com a expansão das investigações, o país passou a enfrentar um debate inevitável: como garantir que as Forças Armadas cumpram rigorosamente seu papel constitucional, sem espaço para interferência política? Especialistas passaram a defender medidas estruturais, como a definição clara de limites legais para militares em cargos civis, a modernização das carreiras, a revisão da Justiça Militar e o fortalecimento de mecanismos de supervisão civil sobre orçamentos, promoções e operações.

O governo Lula, por sua vez, iniciou um processo gradual de recomposição da relação com os quartéis. Ao mesmo tempo em que retirava militares de áreas civis estratégicas, buscava estabelecer diálogo institucional firme, porém respeitoso, para evitar novos focos de instabilidade. A nomeação de civis para ministérios historicamente ocupados por militares e o reordenamento do GSI foram passos importantes nesse processo.

As discussões pós-8 de Janeiro tornaram evidente que a democracia brasileira não havia resolvido completamente seu legado autoritário. As investigações mostraram que o país ainda convive com zonas cinzentas entre poder civil e militar — heranças diretas de um processo de transição negociado, que permitiu a permanência de estruturas e culturas organizacionais pouco alinhadas ao controle democrático.

Esse novo capítulo da história militar brasileira expôs a urgência de reformas profundas para evitar que crises semelhantes voltem a ocorrer. O 8 de Janeiro não foi apenas um ataque físico ao patrimônio público, mas um alerta institucional — um aviso de que a democracia precisa ser protegida ativamente, e que a ausência de reformas estruturais pode manter aberta a possibilidade de futuras rupturas.

As Reformas Necessárias: Caminhos para Reequilibrar a Relação Entre Forças Armadas e Poder Civil no Brasil

A partir das revelações e tensões desencadeadas pelo 8 de Janeiro, o Brasil entrou em uma fase inevitável de debate sobre reformas estruturais no sistema de defesa e na relação entre militares e instituições civis. Especialistas, governo, academia e organismos internacionais passaram a discutir propostas que, embora complexas, são consideradas essenciais para prevenir novas crises institucionais.

Uma das primeiras frentes discutidas é o fortalecimento do controle civil sobre as Forças Armadas, princípio básico em democracias consolidadas. A Constituição já atribui ao presidente esse comando, mas a prática política brasileira — especialmente após o período de 2016 a 2022, quando militares ocuparam milhares de cargos civis — evidenciou que o limite entre atuação profissional e interferência política ficou desfocado. A desmilitarização de estruturas administrativas e a limitação da presença de oficiais da ativa em ministérios e autarquias surgem como medidas centrais nesse processo de reorganização.

O Congresso também passou a debater mudanças na Lei de Promoções Militares. A atual estrutura confere alto grau de autonomia às cúpulas das Forças Armadas, o que dificulta a transparência e o acompanhamento externo de processos internos. Em diversos países, listas de promoção são públicas e passam por comissões civis independentes. No Brasil, o tema ainda é sensível, mas ganha força como instrumento para evitar a ascensão de quadros alinhados a grupos políticos ou ideológicos.

Outra proposta discutida é a modernização da Justiça Militar. Criada em um contexto diferente, ela mantém características que destoam dos padrões democráticos atuais. A possibilidade de militares julgarem militares — inclusive em casos de crimes contra civis — levanta críticas recorrentes. Estudiosos defendem que apenas crimes tipicamente militares permaneçam sob essa jurisdição, enquanto outros passariam para a Justiça comum, ampliando o controle social e evitando distorções.

O orçamento militar também entrou no centro das discussões. O Brasil possui um dos maiores orçamentos de defesa da América Latina, mas especialistas apontam falta de mecanismos de supervisão civil detalhada, o que abre brechas para projetos caros, pouco transparentes ou de baixa prioridade estratégica. Reformas sugerem a criação de um conselho com participação de civis, auditores independentes e especialistas para garantir que os recursos sejam aplicados de forma compatível com objetivos republicanos — e não corporativos.

A educação militar é outro tema sensível. A formação de oficiais ainda é fortemente centrada em narrativas históricas que minimizam os abusos da ditadura e reforçam uma visão de tutela sobre o poder civil. A introdução de conteúdos sobre direitos humanos, democracia, accountability e relações internacionais é vista como passo essencial para alinhar a cultura militar aos princípios do século XXI.

Os debates incluem ainda a necessidade de estabelecer limites claros para a atuação das Forças Armadas em questões de segurança pública. A Constituição prevê atuação subsidiária, mas as sucessivas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) acabaram banalizando o uso das tropas em situações para as quais não são treinadas — muitas vezes com resultados trágicos. As propostas mais recentes sugerem restringir drasticamente esse instrumento, substituindo-o por forças policiais especializadas e investigações conjuntas com órgãos civis.

Em meio a essas discussões, há resistência dentro das Forças Armadas, que veem parte das propostas como tentativa de enfraquecimento da instituição. Contudo, lideranças militares mais moderadas reconhecem que a crise pós-8 de Janeiro atingiu a imagem das Forças Armadas de forma profunda e que reformas controladas, planejadas e transparentes podem ser uma forma de reconstruir a confiança pública.

A tarefa não é simples. Exige consenso político, diálogo institucional e compromisso com uma visão de Estado que transcenda governos. Mas especialistas convergem em um ponto: a democracia brasileira só estará plenamente consolidada quando a relação entre civis e militares estiver pacificada, clara e regulada por mecanismos sólidos de controle, transparência e responsabilidade.

A Influência Militar na Política Externa e de Defesa do Brasil no Século XXI

A atuação das Forças Armadas na formulação da política externa e de defesa do Brasil ganhou maior visibilidade nas últimas duas décadas, especialmente a partir dos anos 2010. Embora a Constituição estabeleça que a condução da política internacional seja atribuição exclusiva do presidente da República e do Ministério das Relações Exteriores, a presença e a influência militar aumentaram em momentos de instabilidade política e, sobretudo, durante governos que abriram espaço para participação direta de oficiais em cargos civis estratégicos.

Nos anos 2000, a política externa brasileira privilegiava integração regional, diplomacia multilateral e autonomia internacional. Nesse período, a participação militar se concentrava em missões de paz, como a Minustah, no Haiti, que reforçou o prestígio das Forças Armadas. A liderança brasileira na missão foi vista como vitrine internacional de profissionalismo, logística e capacidade operacional, ampliando a reputação do país em organismos como ONU e OEA.

A partir de 2016, porém, a relação entre diplomacia e militares passou por transformação profunda. A crise política interna elevou oficiais a posições-chave em ministérios, gabinetes e conselhos, permitindo que agendas e percepções estratégicas tradicionalmente militares influenciassem decisões antes restritas ao Itamaraty. Houve aumento do discurso de segurança como eixo da política externa, priorização de temas como fronteiras, combate ao narcotráfico e alinhamento com países que reforçavam a ideia de ameaça global.

Com a chegada do governo Bolsonaro, essa influência atingiu um patamar inédito desde a redemocratização. Militares passaram a ocupar postos de comando na Casa Civil, no Ministério da Defesa, no GSI e até mesmo no Ministério da Saúde. No campo internacional, a presença militar moldou discursos e decisões envolvendo a Venezuela, a política ambiental amazônica, a relação com os EUA e o afastamento temporário de blocos tradicionais como Unasul e Celac. A diplomacia brasileira tornou-se mais permeável a conceitos como guerra híbrida, doutrinas de dissuasão e visão geopolítica de antagonismos ideológicos.

Após 2023, com a reconstrução institucional e o retorno de uma diplomacia mais profissionalizada, o governo passou a tentar reequilibrar a interferência de quadros militares em decisões externas. Ainda assim, resquícios da influência acumulada permanecem, especialmente em temas como:
  • operações conjuntas na Amazônia;
  • políticas de controle de fronteiras;
  • acordos de defesa e compra de equipamentos;
  • relações estratégicas com países fornecedores de tecnologia militar.
Especialistas apontam que, embora seja legítimo que as Forças Armadas participem de debates de defesa, a formulação da política externa deve retornar de forma plena ao controle civil e diplomático. Essa separação clara entre política internacional e doutrina militar é tratada como requisito fundamental em democracias maduras.

Hoje, o Brasil enfrenta o desafio de reestruturar sua política de defesa adotando maior transparência e alinhamento a tratados internacionais. Ao mesmo tempo, busca evitar que interpretações doutrinárias próprias das Forças Armadas voltem a interferir diretamente nas decisões estratégicas do Estado brasileiro.

A Justiça de Transição no Século XXI: retomada dos debates e obstáculos permanentes

Se, nas décadas imediatamente posteriores ao fim da ditadura, o Brasil avançou pouco na revisão das violações cometidas entre 1964 e 1985, o século XXI trouxe uma nova onda de debates — mais madura, mais documentada e impulsionada por movimentos sociais, familiares de mortos e desaparecidos, e pesquisadores que consolidaram um acervo robusto de evidências.

Ao mesmo tempo, esse processo continuou travado por disputas políticas, resistência institucional dos militares e pela própria persistência da Lei de Anistia de 1979, ainda interpretada pelo Estado brasileiro como um escudo para agentes envolvidos em tortura, execuções e ocultação de cadáveres.

A redescoberta dos arquivos e o papel dos historiadores

Os anos 2000 e 2010 assistiram a um amplo esforço de pesquisadores para reconstruir a infraestrutura da repressão militar. Dois movimentos foram decisivos:

Digitalização de acervos

Instituições como o Arquivo Nacional, universidades e centros de documentação passaram a digitalizar coleções antes restritas, incluindo documentos do SNI, DOIs e ministérios militares.

Projetos de história oral

Sobreviventes, familiares e ex-agentes passaram a relatar detalhes inéditos sobre centros clandestinos, métodos de tortura e operações de inteligência, permitindo cruzar fontes e preencher lacunas abertas há décadas.

Esse conjunto de informações ajudou a consolidar uma narrativa mais precisa e menos sujeita à negação histórica — apesar da resistência de setores que ainda defendem o regime.

A pressão internacional

A Corte Interamericana de Direitos Humanos teve papel fundamental ao condenar o Brasil, em 2010, no caso da Guerrilha do Araguaia. A Corte afirmou que a Lei de Anistia não poderia impedir a investigação e punição de crimes contra a humanidade.

Apesar disso, decisões posteriores do STF mantiveram a interpretação interna da anistia como “ampla, geral e irrestrita”, bloqueando avanços em responsabilização criminal.

Esse conflito entre instâncias internacionais e o Judiciário brasileiro marca até hoje a paisagem da justiça de transição no país.

Crescimento da polarização e uso político da memória

A partir de meados dos anos 2010, especialmente com a ascensão de movimentos de extrema direita, a memória da ditadura voltou ao centro da disputa política. Surgiram:

discursos que relativizam ou negam a existência de tortura;
  • tentativas de reescrever o golpe de 1964 como “revolução”;
  • exaltação pública de agentes da repressão;
  • ataques a instituições que investigaram violações.
Esse fenômeno fez com que a discussão sobre o passado militar deixasse de ser restrita a acadêmicos e ativistas, tornando-se parte do debate nacional cotidiano — nas redes, no Congresso e na mídia

A reestruturação das políticas de memória

Apesar da turbulência política, o Estado brasileiro lançou ações importantes no século XXI:

criação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos (ampliada e fortalecida em diferentes governos);
  • revisões e novas identificações forenses;
  • abertura de bases militares e escavações em áreas suspeitas;
  • programas de reparação econômica e simbólica a vítimas da ditadura.
Essas iniciativas, embora significativas, continuaram enfrentando boicotes institucionais, falta de orçamento e rotatividade administrativa — o que limitou sua continuidade e impacto.

O desafio permanente: integrar memória e democracia

Ao entrar nos anos 2020, o Brasil passou a vivenciar uma relação paradoxal com seu passado autoritário: nunca se produziu tanto material histórico, nunca tantas vítimas foram escutadas, mas também nunca houve tanta disputa pública sobre o sentido da ditadura.

Esse embate se tornou central para compreender a própria trajetória da democracia brasileira — seus avanços, seus retrocessos e suas fragilidades diante de discursos autoritários.

Como a ditadura moldou as estruturas de segurança pública brasileiras

A herança mais profunda e persistente da ditadura militar brasileira talvez esteja na segurança pública. O modelo repressivo estruturado entre 1964 e 1985 não desapareceu com a redemocratização; ao contrário, foi parcialmente incorporado ao funcionamento cotidiano das polícias, das políticas criminais e até da cultura institucional que orienta o uso da força no país.

A seguir, avançamos em uma análise detalhada de como esse legado foi construído, preservado e transformado ao longo das últimas décadas — e como ele continua influenciando o presente.

O nascimento do modelo de “inimigo interno”

O regime militar adotou formalmente a Doutrina de Segurança Nacional, que definia a figura do “subversivo” como uma ameaça permanente. Essa lógica substituiu a ideia de crime comum por um conceito difuso e político de “inimigo”.

Essa estrutura doutrinária gerou:
  • práticas investigativas focadas na suspeição generalizada;
  • uso legitimado da violência como ferramenta preventiva;
  • expansão da vigilância e de dossiês sobre cidadãos;
  • integração entre forças militares e policiais.
Quando a ditadura acabou, muitos desses princípios permaneceram incorporados à formação policial e ao discurso institucional.

A militarização das polícias estaduais

A reorganização das Polícias Militares durante o regime consolidou corporações rigidamente hierarquizadas e subordinadas às Forças Armadas. A PM passou a ser tratada como “força auxiliar e reserva do Exército” — definição mantida até hoje no texto constitucional.

Com isso, o país preservou:
  •  uma polícia ostensiva de caráter militar;
  •  códigos disciplinares internos herdados dos anos de exceção;
  •  treinamentos voltados para confronto, não prevenção;
  •  pouca flexibilidade para reformas estruturais.
Esse desenho institucional tornou o Brasil um dos poucos países democráticos com um sistema policial tão altamente militarizado.

O legado dos órgãos de inteligência

Durante a ditadura, centros como o DOI-Codi, Dops e SNI consolidaram uma rede de inteligência integrada, com foco em vigilância política e controle social. Mesmo com o fim do regime, elementos desse aparato sobreviveram:
  • estruturas de informação foram incorporadas às polícias;
  • práticas de monitoramento se adaptaram a novos contextos;
  • resistências à transparência persistiram em unidades estratégicas;
  • arquivos permaneceram incompletos, censurados ou fragmentados.
A cultura de sigilo — outra herança direta — se tornou um obstáculo à responsabilização institucional.

O impacto direto na violência policial

A transição inacabada permitiu que padrões violentos se perpetuassem. Estudos mostram que:
  • as PMs mantiveram protocolos pouco supervisionados;
  • abusos raramente resultaram em punição;
  • a lógica do “inimigo interno” foi substituída por novos alvos, principalmente jovens negros de periferias;
  • operações militarizadas se tornaram práticas comuns.
Assim, a herança autoritária continuou moldando o modo como o Estado se relaciona com populações vulneráveis.

A dificuldade de reformar estruturas herdadas

Tentativas de modernização enfrentaram obstáculos políticos e institucionais. Entre eles:
  • resistência corporativa das polícias;
  • interferência militar em debates sobre segurança;
  • falta de consenso político para mudanças constitucionais;
  • medo de enfrentar temas sensíveis como desmilitarização.
Em muitos estados, a tradição de autoritarismo institucional ganhou novas camadas a partir da guerra às drogas, ampliando o poder das forças policiais.

Desdobramentos atuais

No século XXI, a combinação de:
  • violência estrutural,
  • militarização,
  • baixa transparência,
  • disputas políticas,
  • resultou em um cenário no qual o passado da ditadura ainda é percebido nas ruas, nas corporações, nas práticas investigativas e na própria percepção social sobre o papel da polícia.
A democracia avançou, mas a segurança pública permaneceu como um dos espaços mais resistentes à transformação.

As mulheres na ditadura: repressão, resistência e invisibilização histórica

A atuação das mulheres durante a ditadura militar brasileira foi ampla, diversa e, por muito tempo, silenciada. Elas estiveram presentes na resistência armada, na produção intelectual clandestina, nas organizações estudantis, nos movimentos comunitários e também no enfrentamento direto à repressão, como mães e familiares de presos, mortos e desaparecidos políticos.

Mas também foram alvo de violências específicas — estruturadas e estimuladas pelo regime — que só recentemente passaram a ser reconhecidas pela historiografia e por comissões de verdade.

Dupla condição de alvo: “subversiva” e mulher

A ditadura aplicou às mulheres um tipo de repressão que combinava perseguição política com violência de gênero. A lógica do regime enxergava a militante como uma ameaça simbólica à ordem patriarcal, punindo nela não apenas o engajamento político, mas também a autonomia sexual e intelectual.

Relatórios posteriores apontam que mulheres detidas sofreram:
  • tortura física e psicológica com finalidade sexual;
  • agressões dirigidas a estigmatizar seu corpo ou seu papel social;
  • humilhações voltadas à maternidade (grávidas, mães ou mulheres tentando engravidar);
  • estupros como instrumento de terror e obtenção de informações.
Esse tipo de violência teve forte caráter sistemático, ainda que a ditadura tenha negado formalmente sua existência.

O papel das mulheres na resistência

Mesmo sob risco constante, mulheres atuaram de forma decisiva em diversos fronts da oposição. Entre os principais papéis:

Grupos armados e militância clandestina

Participaram de ações logísticas, inteligência, organização de aparelhos, transporte de materiais e, em muitos casos, operações armadas diretas.

 Movimento estudantil e jornalismo alternativo

Enfrentaram a censura e a vigilância em centros acadêmicos, diretórios estudantis e redações clandestinas, produzindo jornais, panfletos e boletins que circulavam secretamente.

Articulação comunitária e religiosa

Criaram redes de apoio para famílias perseguidas, organizaram protestos silenciosos e mantiveram viva a memória dos desaparecidos políticos.

As Mães e Familiares de Presos Políticos

Precursoras de movimentos de direitos humanos no Brasil, transformaram o luto em resistência. A pressão dessas famílias foi decisiva para revelar a dimensão da violência estatal.

Casos emblemáticos que marcaram a história

Entre as histórias mais lembradas estão:

Dona Iramaya e as Mães da Cinelândia, que protestaram diariamente no Rio de Janeiro pedindo notícias dos desaparecidos.

Zuzu Angel, estilista cuja luta pela verdade sobre o filho Stuart mobilizou o país e se tornou símbolo internacional.

Dilma Rousseff, presa e torturada aos 19 anos, caso que ganhou notoriedade décadas depois.

Helenira Resende, militante do PCdoB, morta no Araguaia.

Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que relatou detalhadamente os estupros e agressões sofridos na prisão.

Cada uma dessas trajetórias revela como a ditadura tentou apagar não apenas corpos e vozes, mas também histórias inteiras.

A invisibilização histórica e suas causas

Por décadas, a memória da resistência feminina foi minimizada. As razões incluem:
  • o machismo estrutural que permeava (e permeia) a produção historiográfica;
  • a dificuldade de relatar violências sexuais, tema marcado por estigma;
  • a destruição proposital de documentos pela repressão;
  • o fato de muitas sobreviventes só terem obtido espaço para falar após a redemocratização e a criação de comissões da verdade.
A Comissão Nacional da Verdade, em 2014, foi a primeira instância oficial a reconhecer que a violência sexual contra mulheres foi uma política de Estado na ditadura.

Legado e reparação

A partir dos anos 2000, movimentos feministas e de direitos humanos ampliaram a discussão sobre gênero e memória. Hoje, pesquisas, filmes, livros e processos judiciais — inclusive internacionais — buscam reconstruir essas histórias.

Entretanto, a reparação ainda é incompleta: muitos relatos continuam não documentados, e a responsabilização pelos crimes permanece limitada.

Censura, propaganda e controle da informação: a máquina de comunicação da ditadura

O controle da informação foi um dos pilares centrais que sustentaram a ditadura militar brasileira. Mais do que apenas fiscalizar jornais ou proibir músicas, o regime implantou um sofisticado sistema de vigilância, propaganda institucional e manipulação da opinião pública — um projeto construído para moldar percepções, produzir consenso e sufocar qualquer narrativa divergente.

Esse capítulo examina em profundidade como o Estado militarizou a comunicação e transformou imprensa, cultura e publicidade em instrumentos de poder.

A arquitetura da censura

A censura na ditadura foi exercida de forma ampla e meticulosa, com atuação direta em diversos setores:

 Censura à imprensa

Jornais, revistas, rádios e TVs operavam sob rígido controle. Os censores, frequentemente instalados dentro das próprias redações, analisavam cada texto antes da publicação. Quando um tema era proibido, trechos inteiros eram substituídos por:
  • receitas culinárias,
  • poemas,
  • espaços em branco,
  • notícias irrelevantes,
tudo para sinalizar ao leitor que havia algo “que não podia ser dito”.

Entre os temas mais censurados estavam:
  • denúncias de tortura,
  • ações de grupos de oposição,
  • conflitos internos do governo,
  • corrupção dentro das Forças Armadas,
  • notícias de greves ou movimentos sociais.
Censura prévia a artistas

A música popular brasileira foi duramente vigiada. Letras inteiras eram reescritas ou totalmente vetadas caso fossem consideradas críticas à ditadura ou permissivas demais em temas morais. O mesmo ocorria com peças de teatro, filmes nacionais, programas de TV e até novelas.

O objetivo era claro: impedir que a arte se tornasse um canal de contestação ou reflexão política.

Censura à literatura

Livros foram proibidos de circular, traduzir ou reimprimir. Obra de cientistas sociais, filósofos e economistas eram constantemente barradas para evitar que ideias “subversivas” ganhassem força.

Propaganda oficial: vender a imagem do regime

O lado mais visível do controle informacional foi a propaganda. A ditadura utilizou slogans marcantes, jingles e campanhas emocionais para criar uma narrativa de progresso e segurança.

Slogans marcantes

Entre os mais conhecidos:

Brasil: ame-o ou deixe-o (1971),

Ninguém segura este país (1970),

Este é um país que vai pra frente (1971).

Essas frases eram acompanhadas por imagens de obras monumentais, crescimento econômico e símbolos nacionais — uma estética desenhada para associar o regime à modernidade e ao patriotismo.

A Agência Nacional (AEN)

Criada para centralizar as informações do governo e distribuir releases prontos para veículos de imprensa, a AEN funcionou como um braço oficial da propaganda.

O papel estratégico da TV e o crescimento da Rede Globo

Nenhum instrumento foi tão poderoso para construir a narrativa oficial quanto a televisão — especialmente a Rede Globo, que se fortaleceu no período e se tornou a principal emissora do país.

Enquanto jornais ainda tinham brechas para certos textos críticos, a TV transmitia a imagem audiovisual do país “unido”, “ordeiro” e “em pleno desenvolvimento”.

Principais características do uso da TV pelo regime:
  • alinhamento editorial às diretrizes do governo;
  • invisibilização das crises econômicas e da repressão;
  • cobertura favorável às grandes obras (Transamazônica, Itaipu, Ponte Rio–Niterói);
  • glamourização de eventos esportivos como o tricampeonato de 1970.
Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e o SNI

A censura era apenas a superfície. A verdadeira espinha dorsal da vigilância informacional estava nos órgãos de repressão:

DOPS

Monitorava artistas, jornalistas, sindicalistas, professores e estudantes. As fichas do DOPS são hoje uma das principais fontes documentais sobre a perseguição do período.

SNI – Serviço Nacional de Informações

Criado em 1964, funcionou como um “Estado paralelo” de inteligência. Coletava relatórios, infiltrava agentes em universidades, acompanhava viagens internacionais de intelectuais e supervisionava toda a estrutura de censura.

Tática da desinformação e fabricação de narrativas

O regime produziu versões oficiais para fatos sensíveis — muitas vezes distorcendo ou omitindo informações — para preservar sua legitimidade.

Entre as narrativas criadas:
  • suicídios forjados como o de Vladimir Herzog,
  • operações militares justificadas como “confrontos”,
  • mortes sob tortura apresentadas como acidentes,
  • desaparecimentos sem explicação oficial.
Essas versões eram difundidas pela imprensa sob pressão ou censura direta.

Resistência informacional: como a verdade sobreviveu

Mesmo com tanta repressão, a informação escapava por frestas. A resistência utilizou estratégias criativas:
  • jornais clandestinos (O Berro, Opinião, Em Tempo),
  • literatura marginal,
  • música codificada (letras de Chico Buarque, Geraldo Vandré),
  • circuitos universitários e eclesiásticos,
  • imprensa internacional que cobria casos brasileiros censurados internamente.
A denúncia pública da morte de Herzog em 1975, por exemplo, só ganhou força graças à ação coordenada de organizações religiosas, jornalistas e veículos estrangeiros.

Efeitos duradouros da censura

A ausência de debates críticos por duas décadas deixou marcas profundas no país:
  • desinformação histórica,
  • normalização da violência estatal,
  • fragilidade da imprensa na redemocratização,
  • dificuldade de responsabilizar agentes do regime,
  • mitificação da ditadura como “período ordeiro”.
Essas consequências ainda reverberam na política brasileira contemporânea.

Economia da ditadura: do “Milagre Brasileiro” ao colapso da dívida externa

A economia foi uma das faces mais contraditórias da ditadura militar: ao mesmo tempo em que o país cresceu em ritmo acelerado na virada dos anos 1960 e início dos 1970, também aprofundou desigualdades, concentrou renda, precarizou direitos trabalhistas, desmontou salvaguardas sociais e abriu caminho para a maior crise econômica da história brasileira até então.

Este capítulo detalha, em profundidade, as fases econômicas da ditadura, seus modelos, erros estratégicos e o impacto duradouro que ainda molda o Brasil contemporâneo.

A fase 1 (1964–1967): a agenda de estabilização e o choque de ajuste

Ao assumir o poder, os militares implementaram um programa econômico inspirado em recomendações do FMI e de técnicos liberais.

Principais medidas:
  • arrocho salarial: redução real do poder de compra dos trabalhadores;
  • controle rígido de crédito e gastos públicos;
  • aumento de impostos sobre consumo;
  • redução de direitos trabalhistas, como flexibilização de reajustes;
  • política de contenção da inflação com forte recessão;
  • abertura controlada ao capital estrangeiro.
Resultados:
  • queda imediata da inflação,
  • recessão significativa,
  • aumento do desemprego,
  • queda da renda disponível das famílias.
A partir desse “ajuste duro”, o governo estruturou as bases que permitiriam o ciclo seguinte de expansão.

A fase 2 (1968–1973): o chamado “Milagre Brasileiro”

Período frequentemente lembrado como o auge econômico da ditadura, mas que escondia custos sociais e financeiros enormes.

Características centais:
  • crescimento do PIB acima de 10% ao ano;
  • industrialização acelerada com foco em bens de consumo duráveis;
  • forte entrada de capital estrangeiro, inclusive empréstimos internacionais;
  • construção de grandes obras de infraestrutura (estradas, portos, usinas).
O motor do milagre

Crédito externo barato

O Brasil se endividou pesadamente usando empréstimos internacionais a juros muito baixos.

Investimento público massivo

O Estado investiu em obras de grande escala para estimular a indústria.

Política salarial repressiva

O salário real continuou sendo comprimido artificialmente, reduzindo custos das empresas e aumentando lucros.

O lado oculto do milagre
  • aumento brutal da concentração de renda;
  • explosão do endividamento externo;
  • crescimento sem distribuição;
  • ampliação das periferias urbanas;
  • fortalecimento de grupos empresariais aliados ao regime.

O conceito de “crescer primeiro para distribuir depois” nunca se concretizou.

A fase 3 (1974–1980): choque do petróleo e a crise anunciada

Com a alta do petróleo em 1973, o modelo econômico militar entrou em desequilíbrio.

Respostas do governo, liderado por Geisel:

endividamento externo ainda maior para sustentar o crescimento;

criação dos Programas de Ação Econômica (PAEG e II PND)**;

investimentos pesados em siderurgia, mineração, telecomunicações e energia;

início dos grandes projetos como Itaipu e Angra.

Consequência:

O Brasil passou a depender perigosamente de crédito internacional para manter a economia funcionando.

A fase 4 (1981–1984): a década perdida começa antes no Brasil

No início dos anos 1980, o cenário internacional mudou: os EUA elevaram drasticamente seus juros. Isso multiplicou o custo da dívida externa brasileira.

Efeitos imediatos:
  • explosão da dívida;
  • inflação em alta;
  • queda do PIB;
  • incapacidade de honrar compromissos externos;
  • início das negociações com o FMI.
  • Situação social:
  • aumento da pobreza;
  • retomada das greves sindicais (como o ABC paulista);
  • desgaste profundo da legitimidade do regime.
Economicamente, a ditadura terminou falida. A redemocratização herdou:
  • dívida externa colapsada,
  • inflação descontrolada,
  • salários corroídos,
  • estrutura tributária regressiva,
  • desigualdade nos níveis mais altos da história.
Legado econômico estrutural da ditadura

Mesmo após o fim do regime, muitos dos elementos introduzidos ou reforçados pelos militares continuaram moldando o país.

Entre os principais legados:
  • modelo tributário regressivo baseado no consumo;
  • concentração fundiária e urbana;
  • estrutura industrial dependente de capital externo;
  • manutenção de desigualdades regionais;
  • papel estatal no financiamento de grandes grupos econômicos;
  • ausência de política de distribuição de renda;
  • fragilidade dos direitos trabalhistas durante anos.
Ao mesmo tempo, a ditadura deixou uma matriz energética estratégica (hidrelétricas e outras infraestruturas), mas construída com altíssimo custo social e financeiro.

O Sistema de Repressão: Tortura, Desaparecimentos e a Rede de Centros Clandestinos

O aparato repressivo da ditadura militar brasileira foi uma das estruturas mais complexas, coordenadas e violentas da história política do país. Diferentemente do que se difundiu por décadas — a narrativa de que havia apenas “excessos isolados” ou ações sem controle central — documentos, testemunhos e estudos posteriores revelaram um sistema pensado, organizado e operado para perseguir, silenciar e eliminar opositores.

Este capítulo detalha como funcionava a máquina repressiva, suas instituições, métodos e o legado traumático que ainda reverbera no Brasil contemporâneo.

A arquitetura da repressão: quem mandava e quem executava
A estrutura funcionava em três camadas: planejamento, inteligência e execução direta.

O comando central

Alto Comando das Forças Armadas

Presidência da República

Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1964

Gabinetes de Segurança e Operações nos ministérios

Eles definiam diretrizes e autorizavam operações de grande escala.

A inteligência operacional

A principal peça da engrenagem repressiva era o SNI, que coordenava:
  • coleta de informações,
  • infiltração em movimentos sociais,
  • monitoramento de sindicatos, universidades e imprensa,
  • produção de dossiês secretos.
O SNI se transformou no maior sistema de vigilância da história do país até então e atuou como um “Estado paralelo”.

A linha de frente: DOPS, DOI-Codi e centros clandestinos
DOPS — Departamentos de Ordem Política e Social

Existiam em diversos estados, mas o mais famoso foi o de São Paulo. Eram responsáveis por:
  • prisões políticas;
  • interrogatórios;
  • repressão a sindicatos;
  • censura.
DOI-Codi — Destacamentos de Operações de Informações / Centros de Operações de Defesa Interna

Foram os órgãos mais temidos. Criados a partir do Exército, uniam:
  • polícia militar,
  • Exército,
  • agentes civis,
  • delegados,
  • militares da ativa e da reserva.
O DOI-Codi de São Paulo, comandado por Carlos Alberto Brilhante Ustra, ficou marcado como um dos centros mais violentos.

Centros clandestinos

Além dos órgãos oficiais, havia casas secretas, muitas jamais identificadas completamente, usadas para:

  • sequestro,
  • tortura,
  • ocultação de cadáveres,
  • interrogatórios fora de qualquer registro.
Métodos de repressão e tortura: o protocolo do horror

Os métodos utilizados eram inspirados em técnicas aplicadas pela CIA e por outras ditaduras da América do Sul, especialmente após a coordenação interestatal que daria origem à **Operação Condor.

Entre as técnicas mais frequentes:
  • pau-de-arara
  • choques elétricos
  • afogamento
  • surras e espancamentos sistemáticos
  • violência sexual
  • tortura psicológica prolongada
  • privação de sono e alimentação
  • simulacro de execução
A violência não era efeito colateral: era um método institucionalizado.

Desaparecimentos forçados e execuções

O Brasil registrou mais de 200 desaparecidos políticos, número subestimado. Muitos opositores foram:
  • sequestrados,
  • mortos em centros clandestinos,
  • enterrados como indigentes,
  • incinerados,
  • atirados ao mar ou ao mato.
Casos emblemáticos incluem:

Vladimir Herzog, morto em 1975 no DOI-Codi de SP;

Manoel Fiel Filho, morto em 1976;

Stuart Angel, torturado e assassinado na Base Aérea do Galeão;

Guerreiros do Araguaia, executados em operações militares na floresta.

A ditadura adotava a regra: *sem corpo, sem crime


Operação Condor: integração do terror na América do Sul

O Brasil participou do sistema de cooperação repressiva entre as ditaduras do Cone Sul (Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia, Paraguai), que compartilhavam:
  • informações,
  • listas de perseguidos,
  • técnicas de tortura,
  • operações conjuntas de captura e eliminação de opositores.
Documentos já comprovaram trocas de informações entre órgãos brasileiros e argentinos, além do monitoramento de exilados brasileiros no exterior.

Vigilância e controle da sociedade civil

Além da violência física, a ditadura desenvolveu mecanismos de repressão indireta:
  • infiltração policial em sindicatos, grêmios estudantis e universidades;
  • monitoramento de artistas, jornalistas e intelectuais;
  • fichamento de professores;
  • espionagem de diplomatas, religiosos e até militares considerados “liberais”.
O SNI e os DOI-Codi criaram milhões de páginas de arquivos sobre a vida de cidadãos comuns.

Repressão aos movimentos de resistência

A ditadura enfrentou diversos grupos organizados, entre os quais:

Ação Libertadora Nacional (ALN)

Vanguarda Popular Revolucionária (VPR);

MR-8;

AP — Ação Popular;

PCdoB, especialmente na Guerrilha do Araguaia.

A resposta do Estado foi uma política militarizada que incluía:
  • execuções sumárias,
  • tortura em massa,
  • sequestros,
  • campanhas clandestinas.
Censura institucionalizada

A repressão não era apenas física: era moral, cultural e informacional.

A ditadura censurou:
  • jornais,
  • peças de teatro,
  • novelas,
  • músicas,
  • filmes,
  • livros,
  • charges.
Redações recebiam diariamente listas do que não podia ser publicado.

Legado traumático

O país herdou:
  • milhares de famílias sem respostas sobre parentes desaparecidos;
  • sobreviventes com sequelas permanentes;
  • arquivos parcialmente destruídos;
  • uma estrutura policial militarizada que persiste até hoje.
A Rede de Repressão nos padrões: Como funcionavam os órgãos da Ditadura 

Com o endurecimento institucional após o AI-5, a ditadura estruturou um ecossistema de vigilância, monitoramento e eliminação de opositores que funcionava de forma integrada, embora nem sempre oficialmente registrada. Essa rede operava em três camadas principais: inteligência, repressão direta e **coordenação interestatal. A seguir, avançamos para detalhar cada uma dessas engrenagens.

O Centro de Operações de Defesa Interna (CODI)

Criado para centralizar ações contra opositores classificados como “subversivos”, o CODI era o cérebro estratégico da repressão. Ele recebia relatórios de todas as regiões do país e redistribuía ordens e listas de alvos.

Era dividido em seções de análise, operações, interrogatórios e logística. As decisões sobre quem deveria ser preso, monitorado ou eliminado geralmente passavam por essa instância, ainda que, na prática, muitas ações ocorressem de forma descentralizada para dificultar rastreamento.

DOI-CODI: o braço executador

Enquanto o CODI operava como um centro de inteligência, os **DOI (Destacamentos de Operações de Informações)** eram, efetivamente, os responsáveis pela captura, tortura e desaparecimento de opositores.

Presente em várias capitais — São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais — o DOI-CODI funcionava como uma polícia política clandestina. Seus agentes atuavam sem identificação, muitas vezes em carros sem placas, e eram treinados para métodos de interrogatório que violavam sistematicamente direitos humanos.

As dependências do DOI-CODI eram marcadas por celas improvisadas, câmaras de tortura e salas de observação onde militares acompanhavam interrogatórios. Depoimentos posteriores de ex-presos políticos descrevem rotina de choques elétricos, pau de arara, afogamentos simulados, espancamentos e longas sessões de privação de sono.

OBAN: o laboratório da repressão

A Operação Bandeirante (OBAN), criada em São Paulo em 1969, foi o embrião de toda a estrutura DOI-CODI. Financiada parcialmente por empresários e banqueiros anticomunistas, a OBAN funcionava como uma força-tarefa experimental.

Sua eficácia brutal — pela velocidade das prisões e pela capacidade de obter informações sob tortura — inspirou o governo militar a replicar o modelo nacionalmente. A transição da OBAN para o DOI-CODI paulista, em 1970, transformou o órgão no mais ativo e violento do país sob o comando do então major Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Informantes, infiltrados e o aparato civil da repressão

A ditadura não operava apenas com militares. A rede de informantes incluía:
  • funcionários públicos;
  • empresários;
  • colegas de trabalho;
  • agentes infiltrados em universidades, fábricas e sindicatos.
O Serviço Nacional de Informações (SNI) mantinha cadastros extensos com fichas sobre professores, estudantes, artistas, jornalistas e servidores. Qualquer denúncia — mesmo sem comprovação — podia gerar investigação, prisão ou perda de direitos políticos.

O papel dos grupos de extermínio e milícias paraestatais

Além das estruturas oficiais, havia grupos que atuavam à margem do Estado, mas conforme sua lógica, como o **Esquadrão da Morte** no Rio e em São Paulo. Esses grupos ajudaram a eliminar opositores cujas mortes não poderiam ser atribuídas diretamente ao regime.

Muitas vezes, desaparecimentos eram registrados como:
  • atropelamentos;
  • quedas acidentais;
  • suicídios;
  • confrontos fabricados.
Essa camada paralela ampliava o alcance repressivo sem comprometer diretamente o governo.

Repressão nos estados: a integração vertical

Cada estado mantinha suas polícias civis e militares sob rígida coordenação do Exército. Delegacias comuns eram frequentemente usadas para guardar presos políticos durante as primeiras horas, antes de serem transferidos para centros de tortura. Governadores – a maioria indicados pelo governo federal – cooperavam com as diretrizes de segurança nacional.

Essa integração era reforçada por cursos de formação, como na **Escola Nacional de Informações (EsNI)**, onde dezenas de agentes foram treinados em técnicas de interrogatório e contrainsurgência.

O inimigo interno como justificativa permanente

Toda a estrutura repressiva era legitimada pela doutrina de segurança nacional, que enxergava no “inimigo interno” uma ameaça permanente à ordem. Assim, qualquer pessoa ou movimento social — sindical, camponês, estudantil ou cultural — podia ser classificado como subversivo.

O vaguidão dessa definição permitiu ao regime agir sem limites.

O MECANISMO DOS DESAPARECIMENTOS FORÇADOS NO BRASIL (continuação do dossiê)

Os desaparecimentos forçados tornaram-se uma das marcas mais profundas da ditadura militar brasileira. Diferentemente de execuções registradas ou prisões formais, esse método buscava apagar qualquer vestígio da existência do opositor, gerando dúvida, medo e paralisia social. Ao eliminar o corpo, eliminava-se também a prova do crime — e, por extensão, a possibilidade de responsabilização futura.

A prática, embora negada oficialmente, foi documentada por ex-presos, investigações posteriores, arquivos desclassificados e depoimentos de familiares que há décadas lutam por respostas.

A lógica do desaparecimento forçado

O desaparecimento era usado em três situações principais:

Opositores de alta relevância política ou militar

Líderes estudantis, guerrilheiros e quadros orgânicos de movimentos de esquerda eram frequentemente eliminados para impedir articulações futuras.

Presos que possuíam informações consideradas estratégicas

Se o regime acreditava que o interrogado detinha dados sobre líderes clandestinos, locais de treinamento ou rotas de fuga, ele poderia ser mantido em cativeiro por dias ou meses, e depois eliminado.

Presos que morreram sob tortura

Para ocultar práticas ilegais dentro dos órgãos de repressão, as mortes eram mascaradas como evasões, suicídios ou acidentes.

O processo: da captura à eliminação

Embora não houvesse um protocolo oficial — justamente para manter a clandestinidade — é possível identificar um padrão operacional:

Vigilância e captura

Geralmente, opositores eram seguidos por dias até que os agentes identificassem rotinas, contatos e pontos de vulnerabilidade. A captura acontecia:
  •  na saída de casa,
  •  no trabalho,
  •  no transporte público,
  •  em reuniões secretas infiltradas.
A abordagem era rápida, feita por carros sem identificação, muitas vezes sob violência imediata.

Condução para centros clandestinos

Apesar de existirem instalações oficiais como o DOI-CODI, muitas sessões de tortura ocorriam em **casas de segurança**, imóveis alugados ou cedidos, sem numeração aparente. Esses locais permitiam isolamento completo, dificultando rastreamento e testemunhos.

Interrogatório e tortura

A tortura tinha objetivo prático — obter informações — e também psicológico, visando destruir a rede de apoio do preso e quebrar a resistência. Presos eram impedidos de ter contato com advogados, familiares ou qualquer mecanismo legal.

Morte e ocultação

Quando o regime decidia eliminar o preso, os métodos variavam:
  •  incineração parcial;
  •  enterros clandestinos em valas comuns;
  •  corpos jogados em rios, represas ou áreas rurais;
  •  sepultamentos como indigentes com nomes falsos.
Casos emblemáticos revelaram que alguns corpos foram desfigurados para evitar reconhecimento.

Regiões onde mais ocorreram desaparecimentos

Embora a repressão tenha sido nacional, há concentrações regionais significativas:

 São Paulo

Principal centro da repressão urbana, onde atuava o DOI-CODI sob comando de Ustra. Muitas vítimas desapareceram após serem levadas para a rua Tutóia.

Rio de Janeiro

Sede de órgãos estratégicos, como o CIE (Centro de Informações do Exército) e a Vila Militar. Foi foco de desaparecimentos vinculados a ações contra organizações como o MR-8 e ALN.

Região Norte

Principalmente na Guerrilha do Araguaia, onde dezenas de combatentes foram mortos e despareceram em operações do Exército entre 1972 e 1974. Até hoje é considerado o maior caso de desaparecimento em massa da ditadura.

A Guerrilha do Araguaia: o epicentro dos desaparecimentos coletivos

A região entre Tocantins, Pará e Maranhão foi palco da mais longa operação militar interna do regime. A estratégia era impedir que o movimento armado, liderado pelo PCdoB, ganhasse capilaridade no campo.

Após capturar guerrilheiros e camponeses suspeitos de colaborar, o Exército:
  • executava sumariamente;
  • ocultava corpos em fossas, matas ou áreas isoladas;
  • queimava materiais que pudessem levar ao reconhecimento.
Até hoje, pouco mais de uma dezena de restos mortais foram localizados, apesar de ordens judiciais internacionais cobrando informações completas do governo brasileiro.

As famílias como resistência

A ausência de informação sobre destino e paradeiro marcou mães, pais, filhos e irmãos que nunca tiveram direito ao luto. A partir dos anos 1970, familiares passaram a criar redes como:

Comitê Brasileiro pela Anistia;

Grupo Tortura Nunca Mais;

Movimentos de Mães e Familiares de Mortos e Desaparecidos.

Foram essas redes que pressionaram o Estado, denunciaram violações e mantiveram vivo o debate sobre memória e reparação.

Estratégias do regime para negar os crimes

A ditadura adotou narrativas que se repetiam em quase todos os casos:

O preso fugiu do local.

Não sabemos do paradeiro.

Não consta nos registros.

Provavelmente deixou o país.

Não foi detido por nossas forças.

Em muitos episódios, versões falsas eram divulgadas para a imprensa, enquanto agentes simulavam buscas por desaparecidos que eles próprios haviam eliminado.

Legado: a ferida aberta que atravessa gerações

Até hoje, o Brasil **não localizou a totalidade dos desaparecidos**, nem abriu integralmente os arquivos militares. Isso gerou um cenário único entre países da América Latina: a ausência de responsabilização ampla e o número expressivo de famílias sem respostas definitivas.

As consequências incluem:
  •  lacunas históricas
  •  traumas intergeracionais;
  •  narrativas revisionistas que minimizam crimes;
  •  debates políticos tensos sobre memória, verdade e justiça.
 A MÁQUINA DE PROPAGANDA DA DITADURA MILITAR 

A propaganda oficial foi um dos pilares centrais para sustentar o regime militar brasileiro entre 1964 e 1985. Sem ela, a ditadura dificilmente teria mantido estabilidade política durante mais de duas décadas. O aparato de comunicação estatal — combinado ao controle rígido da imprensa — atuou para legitimar o , fabricar inimigos internos, exaltar obras e feitos do governo e silenciar críticas.

Ao mesmo tempo, essa engrenagem não operou isoladamente: ela se articulava com censura, repressão e vigilância, criando um ambiente onde narrativas oficiais eram naturalizadas e dúvidas eram tratadas como subversão.

A visão do regime sobre comunicação

Desde o início, os militares compreendiam que controlar a opinião pública era tão importante quanto controlar quartéis. Inspirados em experiências da Guerra Fria e regimes autoritários do século XX — de Salazar a Franco — os generais elaboraram uma estratégia de “engenharia social”, cujo objetivo era moldar a percepção dos brasileiros sobre:
  •  o golpe de 1964,
  • a ameaça comunista,
  •  o papel das Forças Armadas,
  •  a necessidade de segurança nacional,
  •  o suposto desenvolvimento promovido pelo regime.
Essa visão se ancorava na doutrina de guerra psicológica, ensinada em escolas militares e baseada na ideia de que populações podem ser conduzidas por mensagens massivas e repetitivas.

O início da narrativa: o golpe contado como “revolução

Logo após depor João Goulart, os militares lançaram uma intensa campanha para legitimar a tomada de poder. O golpe passou a ser chamado oficialmente de Revolução de 31 de Março, expressão repetida:
  •  em pronunciamentos oficiais,
  •  em livros escolares,
  •  em programas de rádio e TV,
  •  em solenidades com presença de autoridades.
A propaganda reforçava três premissas:

O Brasil estava à beira de virar uma ditadura comunista.

As Forças Armadas salvaram a democracia.

Era preciso “limpar” o país para restaurar a ordem.

Com isso, a ditadura se apresentava como um “mal necessário” e temporário — narrativa que se manteria contraditória por décadas.

IBOPE, Dops e SNI: informação como instrumento de controle

O regime não confiava apenas em propaganda. Ele também investiu na coleta sistemática de dados sobre hábitos, consumo e opinião da população.

SNI (Serviço Nacional de Informações)

Criado em 1964 e comandado inicialmente pelo general Golbery do Couto e Silva, o SNI funcionava como um ministério paralelo de inteligência. Monitorava:
  •  políticos,
  •  artistas,
  •  estudantes,
  •  jornalistas,
  •  sindicatos,
  •  movimentos religiosos.
Relatórios longos circulavam entre gabinetes militares, permitindo ao governo calibrar ações de propaganda e censura conforme o humor social.

Dops

Os Departamentos de Ordem Política e Social, já existentes antes de 1964, foram fortalecidos. Além de reprimir movimentos opositores, coletavam informações sobre tudo que poderia “influir no ânimo popular”.

Parceria com o Ibope

Pouco discutido publicamente, mas documentado:

Pesquisas de opinião foram contratadas pelo governo para medir **apoio ao regime.

Resultados internos ajudavam a orientar campanhas oficiais e identificar temas sensíveis.

A implantação do “milagre econômico” como narrativa

Entre 1968 e 1973, a ditadura encontrou na economia um componente poderoso de propaganda. O chamado **milagre econômico** — período de forte crescimento do PIB impulsionado por investimento externo e endividamento — foi apresentado não como uma política arriscada, mas como prova da competência dos militares.

Slogans marcaram época:

Ninguém segura este país.

Brasil, ame-o ou deixe-o.

Pra frente, Brasil.

Esses lemas eram acompanhados de filmes publicitários, jingles, transmissões esportivas e programas especiais em cadeia nacional.

Exaltação das obras

Grandes projetos de infraestrutura, como:

Transamazônica,

Itaipu,

Ponte Rio-Niterói,

Usinas nucleares,

eram apresentados como símbolos de progresso, mesmo quando inacabados ou economicamente inviáveis.

Censura e propaganda: duas faces da mesma estratégia

A propaganda só funcionava porque a censura eliminava qualquer narrativa alternativa. Isso gerou um ciclo fechado:

O governo produzia sua versão dos fatos.

A censura impedia a circulação de críticas.

O público tinha acesso apenas à versão oficial.

Essa versão parecia “natural” ou indiscutível.

Livros, peças de teatro, filmes, discos e matérias jornalísticas precisavam passar por aprovação prévia. Palavras como “tortura”, “desaparecidos”, “greve”, “censura” e “repressão” eram frequentemente vetadas.

A fabricação do inimigo interno

Um dos elementos mais sofisticados da propaganda da ditadura foi a criação do “inimigo comunista” como uma ameaça permanente. Isso se dava por:

Produção de notícias falsas (antes do termo existir)

Matérias encomendadas descreviam guerrilheiros urbanos e rurais como terroristas sanguinários, ocultando:
  • a natureza política de suas ações,
  • sua motivação ideológica,
  • as violações cometidas pelo Estado contra eles.
Campanhas de medo

Jornais eram instruídos a relacionar qualquer explosão, assalto ou confusão urbana a “grupos extremistas”, mesmo quando não havia ligação com a oposição.

Programas de rádio e TV

Eram comuns quadros que demonizavam estudantes, movimentos sindicais e organizações camponesas.

Os anos 1970: desgaste, contestação e queda da narrativa oficial

A partir de 1974, após a crise do petróleo e o fim do milagre econômico, o discurso de progresso entrou em colapso. O país passou a conviver com:
  • inflação crescente,
  • estagnação econômica,
  • aumento da pobreza,
  • denúncias de tortura vindas do exterior,
  • desgaste internacional da imagem do regime.
Mesmo assim, a propaganda prosseguiu — mas perdeu eficácia diante da realidade.

O fim da máquina oficial

Nos anos finais (1982–1985), o aparato publicitário do governo perdeu força. A abertura política trouxe:
  • imprensa mais combativa,
  • artistas retomando temas censurados,
  • movimentos sociais voltando às ruas,
  • críticas públicas mais frequentes.
A narrativa de uma “revolução salvadora” se esvaziou e foi substituída pelas memórias da repressão.

A Disputa pela Memória após 1985: Democracia, Negacionismo e os  Silêncios da Transição

Com o fim da ditadura militar em 1985, o Brasil enfrentou um dos desafios mais complexos de sua história recente: como reconstruir a democracia sem enfrentar totalmente o legado de violações, perseguições e crimes cometidos pelo Estado? Diferentemente de países como Argentina e Chile, que promoveram julgamentos e políticas de memória mais robustas, o Brasil seguiu um caminho marcado por silêncios, acordos tácitos e uma lenta disputa narrativa que chegaria aos dias atuais.

A partir daqui, o dossiê apresenta como o país lidou — e deixou de lidar — com o passado autoritário, e como isso abriu espaço para ciclos de revisionismo histórico.
A transião “lenta, gradual e segura” e seus efeitos duradouros

A redemocratização brasileira não aconteceu por ruptura, mas por transição negociada.

O último presidente militar, João Figueiredo, conduziu a abertura sob controle, garantindo que:
  • não houvesse punição a agentes de Estado envolvidos em tortura, assassinatos e desaparecimentos;
  • militares mantivessem influência política e institucional;
  • a narrativa oficial nunca fosse totalmente desmontada.
Essa opção — apoiada por parte da elite política e econômica — criou uma democracia sobre bases frágeis, onde o passado não foi confrontado de forma clara.

A Lei de Anistia e a blindagem dos torturadores

A Lei de Anistia de 1979 foi inicialmente celebrada como vitória dos movimentos sociais, por permitir o retorno dos exilados e a libertação de presos políticos.

Mas o texto incluía um ponto controverso:

a anistia se estendia também a agentes do Estado que cometeram crimes “conexos”, incluindo tortura e assassinato.

Na prática:
  • nenhum torturador foi julgado ou punido;
  • nenhum oficial responsável por centros de repressão foi responsabilizado;
  • estruturas militares permaneceram intactas.
Décadas depois, essa leitura seria reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010, consolidando um dos maiores bloqueios ao processo de justiça de transição no Brasil.

Imprensa, cultura e academia retomam o tema, mas lentamente

Com o fim da censura formal, jornalistas, artistas e pesquisadores passaram a reconstruir histórias abafadas durante décadas. Surgiram:
  • livros-reportagem sobre a repressão,
  • filmes que retratavam perseguição e exílio,
  • músicas antes proibidas voltando a circular,
  • pesquisas acadêmicas sobre desaparecidos e centros de tortura.
Mesmo assim, esse processo foi lento e não alcançou imediatamente a população mais ampla, que por anos foi alimentada pela propaganda da ditadura.

A Constituição de 1988: a virada democrática

A Constituição Federal consolidou:
  • liberdades civis,
  • direitos políticos,
  • organização de movimentos sociais,
  • garantias contra arbitrariedades do Estado.
Mas evitou mencionar diretamente a ditadura.

Seu foco era olhar para frente — não reabrir feridas do passado.

Esse silêncio institucional reforçou a ideia de que o Brasil podia conviver com a memória incompleta.

Comissões estaduais, grupos de trabalho e as primeiras aberturas de arquivos

Nos anos 1990 e início dos 2000:
  • governos estaduais criaram comissões para buscar desaparecidos,
  • famílias pressionaram por abertura de arquivos militares,
  • o Ministério Público iniciou investigações civis sobre crimes da ditadura.
Mas o acesso a documentos permaneceu limitado. Muitas informações foram destruídas, escondidas ou permaneceram classificadas por décadas.

Comissão Nacional da Verdade (2012–2014): um marco inacabado

O principal esforço oficial de investigação ocorreu com a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) no governo Dilma Rousseff.

A comissão:
  • identificou 434 mortos e desaparecidos políticos,
  • detalhou práticas sistemáticas de tortura,
  • apontou 377 agentes públicos envolvidos em crimes,
  • concluiu que a repressão foi política de Estado, não excessos isolados.
Apesar do impacto, a CNV:
  • não teve poder de punir,
  • enfrentou resistência das Forças Armadas,
  • foi duramente atacada por setores conservadores.
Seu relatório representou o documento mais completo sobre a ditadura, mas sua implementação ficou pela metade.

O avanço do negacionismo histórico no Brasil recente

A partir de 2014, e especialmente entre 2016 e 2022, o país assistiu a uma onda de revisionismo violenta e organizada.

Narrativas distorcidas começaram a ganhar força:
  • o golpe de 1964 passou a ser descrito como “movimento democrático”;
  • torturadores foram tratados como heróis;
  • desaparecidos políticos foram acusados de “terroristas”;
  • a ditadura foi apresentada como período de “ordem e prosperidade”.
Essas teses ecoaram em:
  • redes sociais,
  • discursos parlamentares,
  • setores das Forças Armadas,
  • grupos políticos alinhados à extrema direita.
O negacionismo se consolidou como arma política — algo que só foi possível porque, lá atrás, a transição democrática não enfrentou plenamente a memória do autoritarismo.

A redemocratização incompleta e seus reflexos até hoje

O Brasil carrega impactos diretos dessa disputa:

  • parte da população desconhece crimes da ditadura;
  • instituições militares mantêm autonomia incomum em democracias;
  • discursos golpistas ressurgiram com força;
  • símbolos autoritários voltaram a circular sem punição.
Essa fragilidade ficou evidente:
  • nas manifestações pelo retorno dos militares,
  • nos atos de 8 de janeiro de 2023,
  • na dificuldade sobre responsabilizar autoridades que atacam o regime democrático.
A disputa pela memória nunca foi apenas histórica — é também política, institucional e social.

O Legado na ditatura Institucionais: Forças Armadas, Policia, Judiciário e a  Cultura da Ditadura

A ditadura militar brasileira não terminou apenas em 1985 — seus efeitos permaneceram profundamente entranhados nas estruturas do Estado. A transição pactuada, que evitou rupturas e punições, permitiu que práticas, mentalidades e modelos institucionais se mantivessem, influenciando a democracia até hoje.

Este capítulo analisa como diferentes áreas do aparelho estatal carregam marcas diretas do período autoritário.

Forças Armadas: o protagonismo que nunca foi totalmente desmontado

Mesmo com o retorno dos civis ao poder, os militares conservaram:
  • forte autonomia interna,
  • influência na política de segurança e inteligência,
  • resistência à revisão histórica do período de 1964–1985.
Após a abertura:
  • quartéis continuaram ensinando versões oficiais que tratam o golpe como “revolução”;
  • comandantes se recusaram a reconhecer violações de direitos humanos;
  • arquivos permaneceram fechados ou incompletos.

Essa postura dificultou:
  • investigações da Comissão da Verdade,
  • mudanças na doutrina militar,
  • plena subordinação dos militares ao poder civil.
A ascensão de grupos políticos que exaltam a ditadura reacendeu o protagonismo militar, culminando em forte presença de oficiais em cargos civis e episódios de tensão institucional, especialmente entre 2018 e 2022.

Polícias: herança brutal de uma estrutura forjada no autoritarismo

A ditadura reorganizou as forças policiais para a repressão política e o controle social, e muitos desses elementos sobrevivem na democracia.

Marcas históricas presentes até hoje:
  • cultura de confronto e militarização do policiamento,
  • lógica de “inimigo interno” aplicada a periferias,

  • uso frequente e ilegal da força,
  • baixíssimo grau de responsabilização por abusos.
A Polícia Militar, criada para proteger o regime e combater “subversivos”, não foi reformada após 1985. Isso ajuda a explicar:
  • índices altos de letalidade policial,
  • operações em comunidades com perfil de ocupação militar,
  • tensões recorrentes entre populações periféricas e agentes do Estado.
Movimentos por desmilitarização, surgidos nos anos 2000, passaram a defender a reconstrução do modelo policial brasileiro — um dos mais violentos do mundo justamente por suas origens autoritárias.

Sistema prisional: violência institucional como política de Estado

A repressão política do regime deixou como legado:
  • superlotação,
  • tortura sistemática,
  • práticas degradantes institucionalizadas.
Com a redemocratização, esperava-se que o sistema fosse reformado, mas o oposto ocorreu:
  • as prisões tornaram-se incubadoras de facções criminosas justamente pela ausência de políticas públicas estruturadas e pela continuidade de práticas herdadas do período militar.
O vazio deixado pelo Estado dentro das cadeias — marcado pela violência e abandono — criou as condições para a formação de grandes organizações criminosas, como:
  • Primeiro Comando da Capital (PCC),
  • Comando Vermelho.
Ou seja, o autoritarismo também deixou como herança a incapacidade de o Brasil produzir uma política prisional eficiente.

Judiciário: formalmente democrático, mas herdeiro de práticas de exceção

Embora o Judiciário tenha se consolidado como um dos pilares da democracia pós-1988, ele também:
  • herdou formalismos e estruturas elitizadas,
  • evitou enfrentar diretamente os crimes da ditadura,
  • manteve distâncias com temas de justiça de transição.
A decisão do STF em 2010, reafirmando a interpretação ampla da Lei de Anistia, ilustrou essa continuidade. O tribunal:
  • reconheceu a tortura como crime imprescritível no plano internacional,
  • mas optou por preservar o pacto político de 1979.
A escolha reforçou a ideia de que o Brasil não puniria violações do período ditatorial — um contraste dramático com outros países da América do Sul.

Imprensa, opinião pública e a batalha narrativa permanente

Durante os anos 1990 e 2000, apesar de avanços importantes na cobertura sobre direitos humanos, a mídia brasileira teve dificuldades em:
  • desmontar o mito da “ditadura branda”,
  • comunicar a dimensão da violência estatal,
  • superar versões herdadas da propaganda militar.
Esse vácuo permitiu que discursos negacionistas retornassem com força, especialmente por meio de:
  • redes sociais,
  • influenciadores digitais,
  • políticos que exaltam a ditadura e demonizam movimentos sociais.
A disputa pela memória tornou-se elemento central da polarização política recente.

Segurança pública: continuidade do autoritarismo nas políticas do presente

Governos democráticos, pressionados pelo aumento da violência urbana, adotaram estratégias baseadas em:
  • incursões militares em favelas,
  • políticas de confronto direto,
  • expansão do encarceramento em massa.
Em vez de romper com a lógica autoritária, o país muitas vezes a aprofundou — agora aplicada a populações pobres, negras e periféricas.

A militarização das respostas estatais, aliada à ausência de reforma institucional, consolidou um padrão que ecoa diretamente práticas repressivas do regime de 1964.

Por que o legado autoritário permanece tão vivo?

Três fatores centrais explicam a persistência dos efeitos da ditadura:

Transição negociada

Sem julgamento, sem purgação, sem ruptura institucional.

As estruturas permaneceram praticamente intactas.

Memória parcial e fragmentada

O país não explicou para toda a sociedade o que foi a ditadura — quem sofreu, quem lucrou, quem matou.

Instrumentalização política do passado

Grupos autoritários passaram a usar o legado da ditadura como ferramenta eleitoral e ideológica.

Esse conjunto produziu um dos maiores paradoxos da democracia brasileira:

o passado nunca passou.

A consolidação da “abertura lenta e gradual”: a transição monitorada (1979–1984)

Com o enfraquecimento crescente do regime militar e a pressão popular em alta, o governo do general João Figueiredo assumiu em 1979 com a missão explícita de conduzir o país a uma distensão política que não ameaçasse diretamente as Forças Armadas. Era a chamada “abertura lenta, gradual e segura”, desenhada pelo general Golbery do Couto e Silva, um dos principais estrategistas do regime.

Figueiredo, porém, assumiu um país dividido, com economia frágil e tensões sociais em ebulição. Sua gestão seria marcada por avanços formais na redemocratização, mas também por momentos de repressão, atentados e confrontos internos entre militares que queriam manter o regime e aqueles que compreendiam que a transição era inevitável.

A Lei da Anistia e o retorno dos exilados

Em agosto de 1979, o Congresso aprovou a Lei da Anistia, talvez o ponto mais simbólico da abertura.

O projeto permitiu o retorno de exilados políticos, a libertação de presos e a normalização do ambiente político. Porém, ao mesmo tempo, estendeu perdão a agentes do Estado acusados de tortura e homicídios durante o regime.

Foi uma anistia “ampla, geral e irrestrita” — mas também assimétrica, pois impedia processos e responsabilizações que futuramente seriam cobrados por familiares de vítimas, organizações de direitos humanos e pela Comissão da Verdade décadas depois.

Apesar das críticas, a anistia teve efeito imediato: milhares de brasileiros voltaram ao país, entre eles Leonel Brizola, Miguel Arraes, Fernando Gabeira e outros nomes que voltariam à vida política ativa.

O renascimento do multipartidarismo

Em 1979, o bipartidarismo (ARENA e MDB) foi oficialmente extinto.

Novos partidos surgiram e redesenharam o mapa político brasileiro: o PDS (sucessor da Arena), o PMDB (sucessor do MDB), o PT, o PDT e, posteriormente, o PFL.

A reorganização partidária possibilitou o retorno dos debates ideológicos e abriu espaço para novas lideranças e movimentos sociais.

Movimentos sociais saem às ruas

A abertura coincidiu com um ressurgimento vigoroso da sociedade civil. Novas organizações surgiram, enquanto as já existentes ampliaram sua força:

Movimento sindical: As greves do ABC, lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva, mudaram a relação entre trabalhadores, empresas e Estado.

Movimentos estudantis: A UNE retornou à legalidade e retomou papel central nas mobilizações.

Movimentos de mulheres, negros e indígenas: Cresceram rapidamente a partir dos anos 1980, denunciando desigualdades estruturais.

Pastorais da Igreja Católica: Fortalecidas pela Teologia da Libertação, atuaram na defesa de direitos humanos e dos trabalhadores rurais.

O país voltava a respirar politicamente — e a pressão popular apertava o cerco sobre o regime.

A crise econômica e o aumento da instabilidade

Ao longo do governo Figueiredo, a economia brasileira mergulhou em uma recessão profunda:
  • inflação crescente e instável;
  • aumento da dívida externa;
  • desaceleração da indústria;
  • queda no poder de compra;
  • desemprego e empobrecimento.
A chamada “década perdida” na América Latina teve no Brasil um dos cenários mais dramáticos.

A combinação de crise econômica e abertura política tornou o regime ainda mais frágil.

Atentados e resistência da “linha-dura” militar

Enquanto parte dos militares aceitava a transição negociada, outro grupo — a chamada “linha-dura” — resistia com violência.

Entre 1980 e 1983, ocorreram diversos atentados atribuídos a setores radicais das Forças Armadas, insatisfeitos com a perda de poder:
  • bombas em bancas de jornais que vendiam publicações de esquerda;
  • ataque ao Riocentro em 1981, que explodiu acidentalmente dentro do carro dos próprios militares envolvidos;
  • perseguição a militantes políticos.
O atentado do Riocentro, em particular, marcou o desgaste da linha-dura, pois expôs publicamente que setores do Exército estavam dispostos a sabotar a democracia usando métodos clandestinos.

A partir de então, a abertura se tornou irreversível.

As Diretas Já: a maior mobilização popular desde o golpe

Entre 1983 e 1984, o Brasil assistiu a um movimento histórico que uniu artistas, intelectuais, estudantes, sindicatos, movimentos populares e partidos políticos: as Diretas Já.

A campanha, que pedia eleições diretas para presidente, levou milhões às ruas em:
  • São Paulo
  • Rio de Janeiro
  • Belo Horizonte
  • Salvador
  • Recife
  • Porto Alegre
  • Brasília
  • e dezenas de outras capitais e cidades
Foram os maiores comícios da história do país até então.

A emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas, foi derrotada no Congresso — mas o regime não resistiria muito mais tempo.

1985: o fim do ciclo militar

Mesmo sem eleições diretas, o Colégio Eleitoral — ainda sob regras herdadas da ditadura — escolheu Tancredo Neves, candidato da oposição, derrotando Paulo Maluf, apoiado pelo PDS, herdeiro da Arena.
  • Era a vitória simbólica da sociedade civil.
  • Era o fim da ditadura militar, mesmo que ainda sem responsabilização plena pelos crimes cometidos.
Com a morte de Tancredo antes da posse, José Sarney assumiu a Presidência em 15 de março de 1985, iniciando oficialmente o período civil e abrindo caminho para a convocação da Assembleia Constituinte de 1987–1988.

  • A Constituição de 1988
  • As disputas de memória histórica sobre a ditadura
  • O papel das Forças Armadas na Nova República
  • As crises políticas posteriores
  •  A revalorização e o revisionismo histórico nos anos 2000–2020
  • A criação e impacto da Comissão Nacional da Verdade
A Constituição de 1988: a reconstrução institucional da democracia

Com o fim formal da ditadura em 1985 e a posse de José Sarney, o Brasil iniciou o processo de reconstrução institucional. A tarefa era enorme: reorganizar poderes, restabelecer garantias de direitos, devolver autonomia ao Congresso, restituir o papel do Judiciário e criar mecanismos que evitassem novos retrocessos autoritários.

A Assembleia Nacional Constituinte foi instalada em 1987, composta por parlamentares eleitos em 1986, em um dos pleitos mais importantes da história. O país discutia tudo: sistema de governo, liberdades individuais, modelo econômico, papel dos militares, função social da propriedade, direitos trabalhistas, proteção ambiental, estrutura tributária, comunicação social e mais.

Após intensos embates, nasceu, em 5 de outubro de 1988, a Constituição Cidadã — batizada assim por Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte.

Os pilares da Constituição de 1988

A Carta de 1988 buscou romper definitivamente com o legado autoritário. Entre seus principais marcos:

Ampliação de direitos civis e políticos: liberdade de expressão, associação, crença e imprensa.

Reestabelecimento do habeas corpus e habeas data

Direitos trabalhistas fortalecidos: jornada de 44h, férias ampliadas, licença-maternidade e licença-paternidade.

Sistema de saúde universal: criação do SUS.

Educação como dever do Estado com investimento mínimo obrigatório.

Reforço do Ministério Público como órgão independente, com grande poder de fiscalização.

Reconhecimento de direitos indígenas e quilombolas, ainda que sujeitos a embates posteriores.

Criação dos mecanismos de controle democrático, como ações diretas de inconstitucionalidade e mandados constitucionais.

Limitação do poder militar, definindo papéis específicos e estabelecendo subordinação ao presidente da República.

A Constituição inaugurou a Nova República e funcionou como um colchão de proteção institucional, permitindo que a democracia sobrevivesse, apesar de inúmeras crises ao longo das décadas seguintes.

O papel das Forças Armadas na Nova República

Embora a Constituição tenha delimitado funções específicas às Forças Armadas — defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem quando convocadas —, a transição pactuada manteve áreas sensíveis sem resolução:

nenhum militar foi julgado criminalmente por tortura, assassinato ou desaparecimentos;
  • a Lei da Anistia permaneceu como escudo jurídico;
  • setores das Forças Armadas continuaram a atuar como “poder moderador” informal.
Durante anos, a cúpula militar preservou uma narrativa interna de que o golpe de 1964 foi um "movimento necessário" para salvar o país do comunismo — visão que permaneceu viva em clubes militares e discursos de parte do oficialato.

Essa memória institucional incompleta voltaria a influenciar crises futuras e disputas políticas que reativaram fantasmas do passado.

Reorganização civil e avanços sociais (1988–2000)

Nas décadas seguintes à Constituição, o país passou por transformações profundas:

Redemocratização efetiva das instituições

Fortalecimento do STF e do Ministério Público.

Expansão do papel da imprensa investigativa.

Consolidação de eleições periódicas e alternância de poder.

Criação e expansão de políticas sociais

SUS se torna um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo.

Programas de combate à fome e à pobreza.

Ampliação do acesso à educação e universidades públicas.

Avanços econômicos

Plano Real (1994) estabiliza a moeda e a inflação.

Crescimento do mercado consumidor.

Abertura comercial controlada.

Apesar dos progressos, o período também foi marcado por tensões políticas constantes, escândalos de corrupção e desigualdades persistentes — um terreno fértil para que discursos antissistêmicos e revisionistas sobre a ditadura ganhassem espaço mais tarde.

A batalha pela memória: disputas sobre o passado (anos 2000–2010)

Com a ampliação do acesso à informação e a internet se consolidando, debates sobre o período militar voltaram à cena pública com força. Surgiram dois polos principais:

Movimentos de direitos humanos e historiadores exigindo:
  • abertura completa dos arquivos militares;
  • responsabilização de torturadores;
  • reparação às vítimas do regime;
  • educação histórica para evitar retrocessos.
Grupos revisionistas tentando reescrever a ditadura como período de “ordem e progresso”, negando torturas e apresentando o golpe como ação “salvadora”.

A polarização em torno da memória histórica se intensificou, refletindo disputas políticas contemporâneas.

A criação da Comissão Nacional da Verdade (2012–2014)

Em 2012, após décadas de pressão de familiares de mortos e desaparecidos, o governo federal instituiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Seu objetivo era investigar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, com foco na ditadura militar.

Após dois anos de trabalhos, a CNV apresentou um relatório robusto:
  • identificou 434 mortos e desaparecidos políticos;
  • apontou 377 agentes do Estado responsáveis por violações;
  • descreveu métodos de tortura;
  • documentou repressão em todos os estados e também no exterior;
  • recomendou revisão da Lei da Anistia.
  • Embora simbólica, a CNV enfrentou resistência institucional.
As Forças Armadas nunca reconheceram oficialmente as violações nem entregaram total acesso a arquivos.

O relatório reacendeu debates — e também reações contrárias — que marcariam o cenário político da década seguinte.

Próxima etapa que posso desenvolver:

A crise política pós-2013 e a ascensão de discursos pró-ditadura

Como o passado voltou ao centro da política nacional

As ameaças golpistas dos anos 2010–2022 e o peso da herança militar

O 8 de janeiro de 2023 e o fechamento definitivo de um ciclo histórico

A crise política pós-2013 e o ressurgimento de discursos pró-ditadura

A partir de 2013, o Brasil vivenciou uma série de crises políticas, econômicas e sociais que reconfiguraram o debate sobre a ditadura militar. Manifestações de rua, escândalos de corrupção e recessão econômica abriram espaço para narrativas que buscavam reinterpretar o passado.

O contexto das manifestações de 2013

Greves, protestos urbanos e mobilizações estudantis expuseram fragilidades do sistema político.

A insatisfação popular com serviços públicos e corrupção gerou espaço para discursos polarizados.

Alguns setores começaram a resgatar a narrativa da ditadura como “período de ordem”, em contraste com os problemas da democracia.

Ascensão de líderes políticos que relativizam a ditadura

Políticos e candidatos começaram a fazer declarações revisionistas, minimizando torturas ou exaltando o regime militar.

Esse movimento ganhou força com o crescimento das redes sociais, que permitiram a rápida circulação de narrativas não verificadas.

Uma parte da sociedade passou a questionar a historiografia tradicional, o que acentuou a polarização política e cultural.

Revisões legislativas e simbólicas

Debates sobre homenagem a militares e monumentos históricos se intensificaram.

Projetos de lei buscavam alterar conteúdos educativos sobre a ditadura, muitas vezes em direção a uma visão mais favorável ao regime.

Essas disputas mostraram que a memória da ditadura ainda era terreno de conflitos políticos e ideológicos.

As ameaças golpistas e a influência do passado militar (2016–2022)

Nos anos seguintes, o Brasil enfrentou instabilidade política significativa:

Impeachment e fragilização democrática

O impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 foi interpretado por alguns analistas como reflexo de um presidencialismo frágil e de pressões militares e políticas.

Rousseff, ex-militante de organizações de esquerda na época da ditadura, simbolizava para setores conservadores a continuidade de uma “ameaça comunista”, reforçando discursos de intervenção militar.

Polarização e fortalecimento de grupos autoritários

O crescimento de grupos políticos que exaltavam o regime militar ou relativizavam torturas criou um ambiente de tensão institucional.

Ocorreram tentativas de minar instituições democráticas, questionando resultados eleitorais e criticando o Judiciário e a imprensa.

Organizações civis e militares passaram a se envolver em debates sobre segurança pública, reforçando a narrativa de que a democracia era “ineficiente” frente à violência e à corrupção.

Eleições de 2018 e a retórica autoritária

A eleição presidencial de 2018 trouxe ao poder um candidato que, em campanhas, fez elogios à ditadura e prometeu “intervenções duras” em áreas de segurança pública.

Discursos de punição severa e militarização da política reforçaram tensões entre forças democráticas e setores com nostalgia do autoritarismo.

O 8 de janeiro de 2023: o ápice da tensão institucional

Em 8 de janeiro de 2023, um episódio histórico evidenciou a persistência do autoritarismo no país:

Manifestantes contrários ao resultado das eleições de 2022 atacaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.

O evento foi comparado por especialistas a um “ciclo de ruptura institucional” inspirado em modelos autoritários.

O ataque mostrou que, mesmo décadas após a redemocratização, a influência da memória militar e das ideologias autoritárias continua a ter impacto direto na política nacional.

O peso da herança militar na sociedade contemporânea

O passado da ditadura ainda reverbera nos dias atuais:

No Judiciário e na política:

Julgamentos de crimes do período da ditadura permanecem lentos.

A Lei da Anistia ainda funciona como barreira legal, dificultando punições a responsáveis por violações de direitos humanos.

Programas escolares variam muito na abordagem do período militar.

Tensões sobre como ensinar a história refletem disputas políticas e ideológicas.

Na segurança pública e cultura política:

O discurso de segurança, combate ao crime e valorização de “medidas duras” tem raízes na mentalidade autoritária do período militar.

O revisionismo histórico influencia políticas de endurecimento penal e militarização da política.

Desafios atuais e legado da ditadura militar no Brasil contemporâneo

O impacto da ditadura militar se mantém em múltiplos aspectos da sociedade brasileira, mesmo mais de 50 anos após o golpe de 1964. A compreensão desse legado é essencial para avaliar os desafios democráticos e sociais do país em 2025 e além.

 Direitos humanos e justiça de transição

Impunidade histórica: A Lei da Anistia de 1979, apesar de ter permitido a reintegração de militantes e militares, ainda impede a punição de agentes do Estado que cometeram crimes de tortura, assassinato e desaparecimento forçado.

Processos judiciais: Organizações civis e familiares de vítimas continuam a pressionar por revisões judiciais e por investigação de arquivos secretos, mas enfrentam barreiras legais e burocráticas.

Memorial e reconhecimento: O país conta com o **Museu da Memória e dos Direitos Humanos** e com arquivos do DOPS e DOI-CODI, mas há lacunas significativas na preservação e disponibilização de informações.

Influência política e militarização

Relação com as Forças Armadas:

As Forças Armadas mantêm papel estratégico na segurança, mas setores políticos buscam fortalecer sua presença em políticas civis, muitas vezes evocando a “eficiência” do período militar.

Debates sobre participação militar em áreas de segurança pública e em órgãos estratégicos do governo reforçam a tensão entre democracia e autoritarismo.

Retórica autoritária na política contemporânea:

Políticos e movimentos populistas têm usado referências à ditadura para validar medidas de endurecimento penal, controle social e limitação de direitos civis.

A nostalgia autoritária serve, em alguns casos, como instrumento eleitoral e de mobilização de bases conservadoras.

Educação e memória histórica

Ensino da ditadura:

Currículos escolares variam entre estados, com debates sobre neutralidade ou abordagem crítica do período militar.

Projetos de lei recentes buscam, em alguns casos, minimizar violações e apresentar o regime como “período de progresso”, gerando controvérsias acadêmicas.

Memória pública:

Monumentos, nomes de ruas e políticas de homenagem a militares continuam a provocar debates.

A preservação da memória das vítimas ainda enfrenta resistência de setores que defendem revisionismo histórico.

Sociedade civil e cultura política

Resistência e ativismo:

Movimentos sociais, ONGs de direitos humanos e associações de familiares de vítimas trabalham para garantir que violações passadas não sejam esquecidas.

Campanhas educativas e culturais buscam fortalecer valores democráticos e cidadania crítica.

Polarização e narrativa pública:

Redes sociais amplificam discursos polarizados, permitindo que narrativas pró-ditadura ou revisionistas ganhem visibilidade.

Essa disputa narrativa influencia decisões políticas, eleições e políticas públicas, dificultando consenso sobre a história nacional.

Perspectivas futuras

Fortalecimento democrático:

Investir em educação cívica, preservação de memória e transparência histórica é essencial para consolidar a democracia.

A responsabilização, ainda que parcial, dos crimes da ditadura reforça confiança nas instituições e garante justiça simbólica às vítimas.

Riscos de retrocessos:

O uso político do revisionismo histórico pode gerar retrocessos em direitos civis e sociais.

O fortalecimento de narrativas autoritárias nas eleições e na mídia continua sendo um desafio constante.

Integração entre memória e políticas públicas:

É necessário que o país incorpore lições do passado para moldar políticas de segurança, justiça e educação que promovam direitos humanos e cidadania.

A sociedade precisa manter vigilância sobre instituições e líderes que tentem resgatar práticas autoritárias.

Linha do tempo resumida da ditadura militar e seus impactos até os dias atuais

Para consolidar a compreensão da ditadura militar no Brasil, apresentamos uma linha do tempo detalhada, destacando os principais acontecimentos, medidas políticas, sociais e econômicas, bem como o legado que persiste até hoje.

1964 – Golpe Militar e início do regime

31 de março: militares depõem o presidente João Goulart.

Instalação de um governo militar, inicialmente com caráter de “governo provisório”.

Suspensão de garantias constitucionais e censura à imprensa.

1964-1967 – Consolidação do regime

Criação do Ato Institucional nº 1 (AI-1): cassação de mandatos políticos e restrição de direitos civis.

Repressão a opositores e perseguição a movimentos de esquerda.

Intervenção econômica com política de “ordem e crescimento”.

1968 – Intensificação da repressão

AI-5 (13 de dezembro): fechamento do Congresso, censura total e repressão ampliada.

Prisões, tortura e desaparecimentos de opositores políticos.

Suspensão de habeas corpus para crimes políticos.

Anos 1970 – Milagre Econômico e repressão

Crescimento econômico elevado (milagre econômico), mas concentrado em setores industriais e urbanos.

Ampliação de obras de infraestrutura: rodovias, hidrelétricas e projetos industriais.

Aumento da violência política: ações de grupos de resistência armada, como VAR-Palmares e ALN.

Consolidação de órgãos de repressão: DOI-CODI e DOPS.

Anos 1980 – Abertura política e redemocratização

Crise econômica, inflação alta e dívida externa crescente.

Campanhas pela anistia (1979) e eleições indiretas (1985) levando à eleição de Tancredo Neves.

Movimento Diretas Já mobiliza a população contra o regime militar.

1985 – Fim do regime militar
José Sarney assume presidência após morte de Tancredo Neves.

Transição para regime democrático, mantendo restrições à investigação de crimes do período militar.

1988 – Constituição Cidadã

Constituição Federal garante direitos civis, liberdade de expressão e proteção aos direitos humanos.

Lei da Anistia permanece, impedindo punição a agentes do Estado responsáveis por crimes políticos.

Anos 1990-2000 – Memória e impunidade

Criação de comissões de verdade e arquivos de repressão.

Tentativas de investigar crimes da ditadura enfrentam barreiras legais e políticas.

Crescimento de debates sobre reparação e direitos das vítimas.

Anos 2010 – Reconhecimento e debates

2014: Comissão Nacional da Verdade conclui relatório detalhado de violações de direitos humanos.

Divulgação de arquivos do DOPS e DOI-CODI permite estudos acadêmicos e divulgação de casos.

Polarização política influencia narrativa sobre o período militar.

2020-2025 – Legado contemporâneo

Discussão sobre educação cívica e ensino da ditadura nas escolas.

Nostalgia autoritária ganha força em discursos políticos de direita.

Justiça de transição limitada: vítimas ainda buscam reconhecimento e indenização.

Debates sobre a presença das Forças Armadas em políticas civis e segurança pública.

Movimentos sociais e ONGs reforçam vigilância sobre retrocessos democráticos.

Dossiê: Ditadura Militar no Brasil – Do Golpe de 1964 ao Legado Contemporâneo

Contexto pré-golpe

No início dos anos 1960, o Brasil vivia uma crise política e econômica intensa.

O governo de João Goulart buscava implementar reformas de base, incluindo reforma agrária, fiscal e educacional.

Havia grande polarização ideológica: setores conservadores e militares temiam que o país se aproximasse do socialismo.

Conflitos entre trabalhadores, movimentos estudantis e forças armadas aumentavam a instabilidade.

O clima de tensão levou setores da sociedade e parte da imprensa a apoiar uma intervenção militar “para restaurar a ordem”.

O Golpe Militar de 1964

Data: 31 de março de 1964.

O Congresso Nacional foi pressionado e João Goulart deposto; tropas militares assumiram o poder.

Inicialmente, o golpe recebeu apoio de empresários, setores da Igreja Católica, mídia conservadora e Estados Unidos, que temiam influência comunista.

O governo provisório iniciou a suspensão de direitos políticos e a cassação de mandatos, estabelecendo controles rígidos sobre sindicatos e partidos.

Consolidação do regime (1964-1967)

Foram editados atos institucionais que ampliaram os poderes do Executivo e restringiram direitos civis:

AI-1: cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos.

AI-2: dissolução de partidos políticos, concentrando o poder em um bipartidarismo controlado (Arena e MDB).

Criação de órgãos de repressão:

DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)

DOI-CODI (Destacamentos de Operações de Informações – Centros de Operações de Defesa Interna)

Prisões e perseguições eram comuns, principalmente contra militantes de esquerda, sindicalistas e estudantes.

 AI-5 e repressão total (1968)

Data: 13 de dezembro de 1968.

O Ato Institucional nº 5 (AI-5) permitiu:

Fechamento do Congresso Nacional.

Suspensão de habeas corpus para crimes políticos.

Censura à imprensa, música, teatro e literatura.

Início de um período de tortura sistemática, desaparecimentos forçados e assassinatos de opositores.

Exílio de intelectuais, artistas e políticos críticos ao regime tornou-se comum.

Milagre econômico e contradições (anos 1970)

Crescimento anual do PIB chegou a 10% em alguns anos, com investimentos em indústria, energia e infraestrutura.

Grandes obras de infraestrutura: rodovias, hidrelétricas e grandes projetos industriais.

Apesar do crescimento, a concentração de renda aumentou e a pobreza se manteve em várias regiões.

Resistência armada: grupos como VAR-Palmares, ALN e PCdoB armado realizaram ações de guerrilha urbana, respondendo à repressão do regime.

Abertura política gradual (anos 1980)

Crise econômica: inflação alta, dívida externa e insatisfação popular.

Lei da Anistia (1979): permitiu a volta de exilados e anistia para opositores, mas também protegeu agentes do regime.

Movimento Diretas Já (1984): mobilização popular por eleições diretas para presidente.

Eleições indiretas em 1985: Tancredo Neves eleito, mas morreu antes de assumir; José Sarney torna-se presidente.

Redemocratização e Constituição de 1988

Nova Constituição estabelece:

Direitos civis e políticos.

Liberdade de expressão e imprensa.

Garantias para proteção aos direitos humanos.

A Lei da Anistia manteve impunes os agentes do Estado envolvidos em crimes de tortura e homicídios políticos.

Comissões de verdade e investigações sobre a ditadura.

Legado social, político e econômico do período militar.

Impactos atuais na política, educação e memória histórica.

Dossiê: Ditadura Militar no Brasil – Do Golpe de 1964 ao Legado Contemporâneo 

Transição para a democracia e os anos 1990

Com a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil consolidou formalmente a redemocratização.

Entretanto, resquícios da ditadura ainda influenciavam política e sociedade como a presença de militares em cargos estratégicos e proteção legal aos agentes do regime.

Durante os anos 1990, com Fernando Henrique Cardoso na presidência, houve fortalecimento das instituições democráticas, privatizações e reformas econômicas, mas ainda sem enfrentar diretamente a responsabilização dos crimes de Estado cometidos durante a ditadura.

Movimentos sociais e familiares de vítimas começaram a pressionar por reconhecimento, reparações e memória, demandando abertura de arquivos e criação de comissões de verdade.

Comissões da Verdade e memória histórica

A primeira Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada em 2011, no governo Dilma Rousseff, com objetivo de investigar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, incluindo o período militar.

Entre as principais descobertas:

Mais de 400 pessoas assassinadas ou desaparecidas por motivos políticos.

Uso sistemático da tortura em centros de detenção como DOI-CODI e DOPS.

Impunidade quase total para os agentes do regime devido à Lei da Anistia de 1979.

A CNV também documentou impactos sobre a sociedade civil, mídia e movimentos culturais, que sofreram censura e perseguição.

Legado social e econômico do regime militar

Crescimento desigual: embora o "milagre econômico" tenha gerado riqueza, a distribuição permaneceu concentrada, acentuando desigualdades regionais.

Urbanização acelerada e grandes obras: construção de Brasília, rodovias, hidrelétricas e polos industriais, muitas vezes sem consulta às populações afetadas.

Cultura e censura: música, teatro, literatura e imprensa foram submetidos à censura; artistas e intelectuais foram perseguidos ou exilados.

Educação e ciência: houve expansão de universidades e programas de capacitação, mas com forte controle ideológico sobre o conteúdo acadêmico.

Impactos políticos atuais

A ditadura deixou marcas persistentes:

Militares ainda ocupam cargos estratégicos em governos recentes, inclusive no Executivo federal e em órgãos de segurança.

Debate sobre memória e revisionismo histórico: movimentos que tentam relativizar o período militar ou minimizar os crimes de tortura e repressão.

Políticas de segurança pública e legislação penal ainda refletem estruturas criadas ou reforçadas no período militar.

Grupos de defesa da democracia e direitos humanos pressionam por:

Revisão de leis de anistia para responsabilizar torturadores.

Educação sobre a ditadura nas escolas.

Preservação de locais de memória, como museus e arquivos públicos.

Sociedade civil e cultura contemporânea

A memória da ditadura permanece viva na arte, literatura e cinema:

Filmes como Batismo de Sangue e Pra Frente, Brasil retratam a repressão.

Obras literárias de autores exilados, como Chico Buarque e Caio Fernando Abreu, denunciaram o autoritarismo.

Manifestações culturais, marchas e protestos pelo país enfatizam a importância da democracia e da preservação da memória histórica.

ONG’s e universidades têm promovido estudos sobre impactos da ditadura na sociedade contemporânea, incluindo desigualdades regionais, violência policial e políticas de segurança pública.

Influência de militares na política recente.

Controvérsias sobre a Lei da Anistia.

Movimentos de revisionismo histórico e memória ativa.

Dossiê: Ditadura Militar no Brasil – Do Golpe de 1964 ao Legado Contemporâneo 

Influência militar na política contemporânea

Desde a redemocratização, os militares mantêm uma presença estratégica em órgãos de segurança e setores governamentais, mas de forma mais institucionalizada.

Nos últimos anos, governos federais nomearam militares para cargos-chave em ministérios como Defesa, Justiça, Segurança Pública e Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

A influência também é visível em políticas de segurança e controle social, incluindo uso da força policial em grandes operações, estratégias de inteligência e formação de tropas especializadas.

Alguns setores defendem que essa presença garante ordem e disciplina, enquanto críticos alertam para riscos de autoritarismo e interferência política indevida.

 Lei da Anistia e impunidade histórica

A Lei da Anistia de 1979 garantiu perdão a crimes políticos cometidos durante a ditadura, tanto de opositores quanto de agentes do Estado.

A lei é polêmica até hoje:

ONGs e familiares de vítimas defendem que torturadores e autores de assassinatos deveriam ser julgados.

Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmaram que a lei impede a responsabilização criminal de militares e agentes públicos da época.

Essa impunidade mantém uma tensão simbólica e política, alimentando debates sobre justiça, memória e reparação às vítimas.

 Revisionismo histórico e debates públicos

Movimentos políticos e sociais tentam reinterpretar ou minimizar o período da ditadura, questionando relatos de tortura e repressão.

Esse revisionismo se manifesta em:

Redes sociais e discursos públicos de figuras políticas.

Tentativas de inserir narrativas alternativas nos currículos escolares.

Pressão para reduzir visibilidade de museus e centros de memória da ditadura.

Especialistas alertam que tais ações podem enfraquecer a educação cívica e a memória coletiva, e comprometer o entendimento histórico do autoritarismo.

Movimentos de memória ativa

Diversos projetos buscam preservar a memória histórica e educar a população sobre a ditadura:

Museus e arquivos públicos, como o Museu da República, Memorial da Resistência e Arquivo Nacional, reúnem documentos, testemunhos e registros de violações.

Iniciativas de educação, como escolas e universidades, incluem o estudo da ditadura em currículos e projetos interdisciplinares.

ONGs e associações de familiares de vítimas promovem campanhas sobre direitos humanos, tortura e desaparecidos políticos.

A preservação da memória é vista como essencial para consolidar a democracia e evitar a repetição de práticas autoritárias.

Impactos na sociedade contemporânea

Violência e segurança: Estruturas de repressão, inteligência e vigilância implementadas durante o regime influenciam até hoje estratégias policiais e de combate ao crime.

Cultura e mídia: A censura e perseguição durante a ditadura deixaram legado na imprensa e produção artística, reforçando debates sobre liberdade de expressão.

Política e instituições: A presença militar no Estado e a memória de impunidade moldam relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário, influenciando decisões sobre segurança, direitos humanos e políticas públicas.

Conexões entre ditadura militar e acontecimentos recentes no Brasil.

Debates sobre reparação, educação e prevenção de retrocessos democráticos.

Síntese do legado do regime para o país atual

Dossiê: Ditadura Militar no Brasil – Do Golpe de 1964 ao Legado Contemporâneo 

Ditadura e política recente

Apesar do fim oficial do regime em 1985, as memórias do período continuam influenciando decisões políticas.

Alguns partidos e figuras políticas evocam o período militar para legitimar discursos autoritários ou reforçar medidas de segurança, enquanto movimentos progressistas usam a memória da ditadura para defender direitos humanos e fortalecer a democracia.

O episódio também influencia debates sobre:

Revisão de leis da época, como a Lei da Anistia.

Nomeações de militares em cargos estratégicos.

Estratégias de política de segurança pública e inteligência.

 Justiça, impunidade e reparação

A Lei da Anistia de 1979 gerou uma contradição histórica: permitiu a reintegração de opositores, mas manteve a impunidade de torturadores e agentes do Estado.

Nos últimos anos, tribunais internacionais e organismos de direitos humanos pressionaram por **reparações às vítimas, mas a legislação brasileira mantém limites significativos para responsabilização criminal.

O tema permanece sensível no debate público, influenciando políticas de educação, memorialização e direitos humanos.

Educação e preservação da memória

A ditadura militar reforçou a importância de educar gerações futuras sobre democracia e cidadania.

Projetos em escolas e universidades incluem:

Estudos de casos sobre censura, tortura e perseguição política.

Análise de movimentos de resistência civil e cultural.

Discussões sobre liberdade de imprensa e expressão artística.

Museus e centros de memória, como o Memorial da Resistência em São Paulo, atuam como espaços de conscientização e preservação histórica.

Cultura, mídia e censura

A censura durante a ditadura deixou legado na produção cultural e na mídia, afetando:

Literatura, cinema, música e artes visuais.

Formas de resistência artística e engajamento político.

Sensibilidade social para a importância da liberdade de expressão.

Até hoje, artistas e jornalistas buscam resgatar narrativas reprimidas e denunciar tentativas de revisionismo histórico.

Legado institucional

O regime militar influenciou a estrutura de segurança, inteligência e controle social do Estado brasileiro.

Embora a democracia tenha se consolidado, algumas práticas e mentalidades persistem em políticas públicas e instituições de segurança, gerando debates sobre autoritarismo, violência e direitos civis.

A discussão sobre a atuação das Forças Armadas em contextos civis continua presente na política nacional.

Reflexos na sociedade contemporânea

A ditadura impactou diretamente a confiança nas instituições públicas, a educação cívica e a consciência social sobre direitos humanos.

Movimentos sociais, ONGs e organismos internacionais ainda monitoram o respeito à memória histórica, garantindo que episódios de repressão e violência não se repitam.

O legado também aparece nas discussões sobre segurança, democracia e responsabilidade política, moldando debates sobre o presente e futuro do país.

Conclusão do dossiê

O regime militar brasileiro (1964–1985) deixou marcas profundas na política, sociedade e cultura.

A ditadura influenciou:

Estruturas governamentais e de segurança.

Debate sobre justiça, impunidade e direitos humanos.

Cultura, mídia e educação sobre memória e cidadania.

Entender essa história é fundamental para consolidar a democracia, reforçar instituições e prevenir retrocessos autoritários, garantindo que os episódios de repressão e violação de direitos não sejam esquecidos.

 Legado político e institucional

A ditadura militar consolidou práticas autoritárias na administração pública, como o controle rígido de informações, monitoramento de opositores e centralização do poder.

Apesar da redemocratização em 1985, algumas dessas práticas influenciam:

A atuação das Forças Armadas em temas civis.

A forma de organização da inteligência e segurança pública.

A resistência a reformas políticas profundas por setores conservadores.

A memória do regime também molda o discurso político contemporâneo, com alguns grupos exaltando a ditadura e outros reforçando a importância da democracia e dos direitos humanos.

 Impacto econômico

Durante a ditadura, o Brasil passou por um período de milagre econômico(1968–1973), com crescimento acelerado do PIB, industrialização e grandes obras de infraestrutura.

No entanto, esse crescimento ocorreu às custas do endividamento externo e concentração de renda, criando desigualdades que se refletem até hoje.

A política econômica do período favoreceu grandes conglomerados e empresas privadas alinhadas ao regime, enquanto pequenos produtores, trabalhadores rurais e setores periféricos ficaram marginalizados.

O legado econômico também aparece em:

Estrutura tributária desigual.

Déficits sociais históricos em saúde, educação e habitação.

Concentração fundiária e exploração de recursos naturais.

Consequências sociais

O regime militar promoveu repressão social, com censura, tortura e perseguição política, afetando diretamente famílias e comunidades inteiras.

Grupos de trabalhadores, estudantes, artistas e movimentos sociais sofreram perseguições que criaram traumas intergeracionais.

A censura e o controle da mídia limitaram o acesso a informações, dificultando a mobilização social e o debate democrático.

Ainda hoje, a sociedade brasileira debate os efeitos dessas políticas na formação da cidadania, da cultura política e da consciência social.

Resistência e movimentos sociais

A resistência ao regime militar foi fundamental para a construção da democracia. Entre os movimentos mais expressivos estavam:

Movimento estudantil e universitário, que organizou protestos e ocupações.

Movimentos operários, que lutavam por direitos trabalhistas e greves clandestinas.

Movimentos culturais, como a Tropicália e a música engajada, que criticavam o regime.

Movimentos feministas e de direitos humanos, que denunciaram abusos e torturas.

Essas lutas deixaram legado de organização civil, valorização dos direitos humanos e cultura de resistência, fundamentais para a sociedade atual.

 Memória e educação

A preservação da memória da ditadura militar é um tema central na educação e no debate público.

Instituições como a Comissão Nacional da Verdade (2011–2014) e museus da memória ajudam a documentar os crimes cometidos pelo regime, incluindo tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados.

O currículo escolar ainda enfrenta desafios: o ensino sobre a ditadura é irregular e, em alguns lugares, limitado, o que dificulta a formação crítica das novas gerações.

A memória histórica também serve como alerta para o fortalecimento da cidadania, da democracia e do respeito aos direitos humanos.

Cultura e mídia

O regime militar impôs censura sobre livros, músicas, filmes e imprensa, moldando a produção cultural da época.

Artistas e jornalistas se organizaram em resistência, utilizando metáforas e linguagens cifradas para criticar o governo.

A literatura, o cinema e a música que surgiram nesse período refletem os impactos da repressão e da luta pela liberdade de expressão.

Atualmente, a cultura brasileira ainda revisita esses temas, preservando a memória e debatendo os limites da liberdade e da repressão.

 Reflexos na sociedade contemporânea

O período militar deixou marcas duradouras em instituições, economia, política e cultura

Algumas dessas influências se manifestam em:

Disputa sobre o papel das Forças Armadas na política.

Debates sobre anistia, reparação e direitos das vítimas.

Concentração econômica e desigualdade social herdada do modelo de crescimento da época.

Movimentos sociais atuais continuam mobilizados por direitos humanos, transparência e participação política, refletindo a luta contra práticas autoritárias que persistem em diferentes formas.

O país também enfrenta desafios de memória, justiça e educação, com tensões entre setores que querem revisitar ou reescrever a história da ditadura e aqueles que defendem a preservação crítica dos fatos.

Ditadura Militar no Brasil – Do Passado aos Dias Atuais

Contexto histórico

A ditadura militar no Brasil teve início em 31 de março de 1964, com o golpe que depôs o presidente João Goulart.

O regime militar foi justificado pelos militares como uma ação para combater a ameaça do comunismo e garantir a “ordem e o progresso” do país, em plena Guerra Fria.

A nova administração implementou uma série de medidas para consolidar o poder, incluindo a suspensão de direitos políticos, o fechamento do Congresso e a censura à imprensa.

 Principais presidentes do regime

Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1964–1967) – iniciador do regime, implantou atos institucionais que restringiram liberdades civis.

Marechal Artur da Costa e Silva (1967–1969) – endureceu a repressão política com o AI-5, suspendendo garantias constitucionais.

General Emílio Garrastazu Médici (1969–1974) – período mais repressivo, marcado por censura, tortura e crescimento econômico acelerado (milagre econômico).

General Ernesto Geisel (1974–1979) – início da abertura lenta e controlada do regime.

General João Figueiredo (1979–1985) – último presidente militar, responsável pela transição democrática.

Atos institucionais e repressão

AI-1 a AI-5: concentraram poder no Executivo, suspenderam eleições e direitos civis.

AI-5 (1968): considerado o mais severo, permitiu fechamento do Congresso, cassação de mandatos e censura total à imprensa.

Repressão a opositores: prisões, tortura, desaparecimentos e assassinatos.

Criação do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e do Serviço Nacional de Informações (SNI) para monitorar cidadãos.

Censura e controle cultural

Mídia, música, teatro e cinema foram fortemente controlados.

Expressões culturais passaram a usar metáforas e códigos para criticar o regime.

Jornalismo enfrentou a censura prévia, com matérias editadas ou proibidas.

Economia e “milagre econômico”

Entre 1968 e 1973, o país teve crescimento anual médio de 10%.

Grandes obras de infraestrutura, como a Transamazônica e a usina de Itaipu, foram executadas.

Apesar do crescimento, a desigualdade social aumentou, e endividamento externo se intensificou, preparando a crise econômica dos anos 1980.

Resistência e movimentos sociais

Movimentos estudantis, operários e de esquerda organizaram manifestações contra o regime.

Organizações armadas, como VAR-Palmares, ALN e MR-8, realizaram ações contra o governo.

Muitos opositores foram perseguidos, presos ou mortos.

Exílio político

Milhares de brasileiros deixaram o país, vivendo no Chile, Argentina, França e Alemanha, entre outros.

Intelectuais e artistas exilados mantiveram a resistência cultural e política.

Diretas Já e abertura política

Movimento popular nos anos 1980, exigia eleições diretas para presidente.

Pressão social levou à eleição indireta de Tancredo Neves em 1985 e à transição para democracia.

Anistia e reconciliação

Lei da Anistia de 1979 beneficiou tanto opositores quanto agentes do regime.

Polêmica sobre a imunidade de militares que cometeram crimes de tortura e assassinato permanece até hoje.

Constituição de 1988 e democracia

Constituição cidadã reforçou direitos civis, políticos e sociais.

Estabeleceu mecanismos para impedir autoritarismo e garantir liberdade de imprensa.

Memória e educação

Instituições como a Comissão Nacional da Verdade documentaram violações.

Museus e centros de memória preservam relatos de vítimas.

O ensino da ditadura ainda é irregular, dificultando a compreensão crítica pelas novas gerações.

Cultura e mídia contemporânea

Música, teatro e cinema continuam revisitando a ditadura.

Produções culturais ajudam a debater liberdade de expressão e repressão.

Exposição de documentos e filmes educativos ampliam o conhecimento histórico.

 Reflexos na sociedade atual

Debate sobre o papel das Forças Armadas na política permanece vivo.

Movimentos sociais continuam lutando por direitos humanos e transparência.

Questões econômicas e desigualdade social têm raízes na política do regime.

Memória e justiça ainda são temas centrais, entre reparação de vítimas e preservação crítica da história.

Ditadura Militar no Brasil 

 Linha do tempo detalhada (1964–1985)

1964

31 de março: Golpe militar depõe João Goulart.

Castelo Branco assume a presidência.

AI-1: cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos.

1965

Criação do bipartidarismo: ARENA (apoiadores) e MDB (oposição).

1966

AI-2: dissolução do Congresso Nacional e endurecimento do regime.

1968

AI-5: fechamento do Congresso, censura à imprensa e repressão intensificada.

Período marcado por desaparecimentos e tortura de opositores.

1969

Costa e Silva adoece; junta militar assume temporariamente.

Período de grande repressão e censura à cultura.

1970–1973

Milagre econômico” com crescimento médio anual de 10%.

Grandes obras de infraestrutura e incentivos à indústria.

1974

Geisel assume; início da abertura política lenta (distensão).

1979

Figueiredo aprova Lei da Anistia.

Abertura gradual, mas controle sobre partidos políticos permanece.

1984

Movimento Diretas Já mobiliza milhões pelo direito de eleger presidente diretamente.

1985

Eleição indireta: Tancredo Neves eleito, mas morre antes de assumir.

José Sarney assume a presidência, encerrando formalmente a ditadura.

 Perfis de vítimas e desaparecidos

Estimativas apontam mais de 400 mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura.

Destacam-se casos como:

Carlos Marighella – guerrilheiro urbano morto em 1969.

Sérgio Paranhos Fleury – policial envolvido em tortura (repressão interna).

Heráclito Fontoura Sobral Pinto – advogado que denunciou tortura e violação de direitos.

Muitos presos políticos sofreram tortura física e psicológica, incluindo choques elétricos, confinamento solitário e ameaças de morte.

Mapas de repressão

Regiões mais afetadas:

São Paulo: centros industriais e universitários, repressão intensa a sindicatos e estudantes.

Rio de Janeiro: DOPS e Operações Especiais com desaparecimentos e prisões.

Nordeste: movimentos camponeses reprimidos com força militar.

A atuação de órgãos como SNI e DOI-CODI foi concentrada em grandes cidades, mas com ramificações nacionais.

Economia sob a ditadura

Milagre econômico (1968–1973)

PIB cresceu ~10% ao ano, investimento em indústria pesada e infraestrutura.

Exportações impulsionadas por café, minério e petróleo.

Crise econômica (1974–1985)

Inflação crescente e endividamento externo.

Déficit fiscal e desigualdade social aumentaram.

Cultura e resistência

Literatura: obras de Graciliano Ramos e Jorge Amado tiveram circulação restrita.

Cinema: o Cinema Novo abordou desigualdade e repressão.

Música: artistas como Chico Buarque e Gilberto Gil lançaram letras críticas ao regime de forma metafórica.

Justiça de transição e memória

Comissão Nacional da Verdade (2012–2014): investigou crimes cometidos durante a ditadura.

Reparação às vítimas: indenizações financeiras e políticas públicas de reconhecimento.

Museus e centros de memória: preservam arquivos, fotos, depoimentos e documentos.

Reflexos políticos atuais.

Influência sobre a segurança pública e Forças Armadas.

Discussão sobre revisionismo histórico e educação.

 Ditadura Militar no Brasil 

Reflexos políticos atuais

A ditadura moldou o cenário político nacional, influenciando:

Forças Armadas: manutenção de papel relevante na política, ainda presentes em decisões estratégicas e cargos civis.

Partidos políticos: a criação da ARENA e MDB deixou legado no bipartidarismo inicial, que impactou a formação de partidos atuais.

Movimentos de direita e esquerda: a repressão fortaleceu redes de militância, que se reorganizaram na redemocratização.

Debates recentes sobre anistia e memória histórica continuam polarizando a sociedade:

A negação de crimes da ditadura por setores políticos cria tensão com movimentos de direitos humanos.

Projetos de lei sobre educação da memória da ditadura ainda enfrentam resistência.

Influência sobre segurança pública e Forças Armadas

Práticas de repressão: técnicas de inteligência e operações especiais utilizadas durante a ditadura serviram de base para métodos atuais de policiamento e investigação.

DOI-CODI e SNI: os arquivos destes órgãos são referência para estudos sobre controle social e vigilância estatal.

Política de segurança: alguns especialistas afirmam que estratégias de combate à insurgência foram transpostas para políticas de combate ao crime organizado, sem considerar direitos civis.

 Revisionismo histórico e educação

A abordagem da ditadura nas escolas brasileiras ainda é inconsistente, dependendo de estado e município:

Conteúdos de história muitas vezes minimizam ou relativizam a repressão e tortura.

Movimentos sociais pressionam para incluir depoimentos de vítimas, documentos oficiais e análises críticas.

“Mitos da ditadura:

Narrativas que exaltam a ditadura como período de “ordem e progresso” convivem com registros históricos de violações de direitos humanos.

Pesquisas apontam que parte da população jovem desconhece detalhes de desaparecimentos e censura cultural.

 Impacto social e cultural contemporâneo

A censura e repressão deixaram marcas na produção artística e cultural:

Literatura, música e cinema sofreram com restrições, mas também estimularam formas criativas de resistência.

Arte de resistência se tornou patrimônio histórico e símbolo de luta pela democracia.

Famílias de vítimas e movimentos de direitos humanos continuam lutando por reparação simbólica e financeira, além de preservação da memória coletiva.

Legado jurídico

Leis e dispositivos legais: algumas medidas da ditadura ainda influenciam legislação atual, como:

Estrutura de segurança pública e regulamentação de órgãos de inteligência.

Normas sobre censura, agora abolidas, mas que inspiram debates sobre liberdade de expressão e imprensa.

Comissões da Verdade: estabeleceram precedentes jurídicos importantes sobre responsabilização estatal, mas punir agentes da ditadura ainda é limitado por interpretações da Lei da Anistia de 1979.

 Comissões da Verdade

Criadas a partir de 2012, com base na Lei nº 12.528, as Comissões da Verdade tiveram o objetivo de investigar violações de direitos humanos entre 1964 e 1985.

Principais objetivos:

Documentar torturas, desaparecimentos e execuções** políticas.

Publicar relatórios oficiais com nomes de agentes e órgãos envolvidos.

Preservar a memória histórica e orientar políticas de reparação.

Destaques:

O Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, entregue em 2014, apontou mais de 400 mortes e desaparecimentos políticos.

Denunciou centenas de casos de tortura, censura e perseguição política.

Limitações:

A Lei da Anistia de 1979 impede a punição criminal de agentes da ditadura, gerando críticas de organismos internacionais e da sociedade civil.

Reconhecimento e reparação às vítimas

O governo federal, por meio do Programa de Reparação a Vítimas da Ditadura, implementou medidas como:

Indenizações financeiras a familiares de mortos e desaparecidos políticos.

Concessão de aposentadoria especial a ex-presos políticos e perseguidos.

Títulos honoríficos e reconhecimento público das vítimas.

Entidades civis e movimentos sociais argumentam que o processo de reparação ainda é insuficiente, pois não contempla totalmente os efeitos psicológicos, sociais e econômicos das perseguições.

Arquivos e memória histórica

Arquivos militares e de órgãos de repressão, como o Arquivo Nacional e o Arquivo do Exército, têm sido disponibilizados gradualmente para pesquisas.

A preservação da memória é essencial para:

Educação sobre a história da ditadura.

Investigação de crimes ainda não esclarecidos.

Garantia de que violações de direitos humanos não se repitam.

Museus e centros de memória, como o Museu da República e o Memorial da Anistia Política, também desempenham papel educativo.

Legado cultural e intelectual

A repressão incentivou formas de resistência artística e literária:

Música, teatro, cinema e literatura produziram obras críticas, muitas delas censuradas na época.

Escritores como Chico Buarque, Caetano Veloso e Ferreira Gullar tornaram-se símbolos de resistência.

Atualmente, a produção cultural sobre o período serve como ferramenta de educação e conscientização, conectando gerações mais jovens com a memória histórica.

 Discussões jurídicas e internacionais

Organismos internacionais, como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, criticam a interpretação restritiva da Lei da Anistia.

O Brasil foi chamado a revisar sua legislação para permitir a*responsabilização de torturadores e assassinos políticos, mas mudanças legais ainda enfrentam resistência política interna.

Casos emblemáticos:

Julgamentos de agentes que ainda hoje são debatidos em tribunais civis e militares.

Investigações sobre desaparecimentos forçados que continuam abertas.

Influência política

A ditadura deixou marcas profundas no sistema político brasileiro:

Consolidação do Presidencialismo forte, com controle centralizado do Executivo.

Fragilidades na representação democrática, refletidas em crises políticas e polarização.

Alguns políticos e grupos mantêm discursos nostálgicos do regime, alimentando debates sobre autoritarismo e memória histórica.

A experiência da repressão influenciou:

Legislação de segurança nacional, que ainda regula atividades civis e militares.

A militarização da política, com ex-militares ocupando cargos de destaque em governos recentes.

Impactos econômicos

A ditadura adotou políticas de crescimento econômico acelerado:

Projetos de infraestrutura (como rodovias, hidrelétricas e a Transamazônica) com elevado custo social.

Expansão da indústria e abertura ao capital estrangeiro em setores estratégicos.

 Entretanto, também deixou legados problemáticos:

 Endividamento externo elevado, que desencadeou crises econômicas na década de 1980.

Concentração de renda e aumento da desigualdade social, particularmente em áreas urbanas e rurais.

Políticas que favoreciam grandes corporações em detrimento da população vulnerável.

Legado social e cultural

A ditadura também moldou a sociedade brasileira de forma duradoura:

Censura e repressão cultural limitaram a liberdade de expressão, afetando literatura, música, cinema e imprensa.

Surgimento de movimentos culturais de resistência, como a Tropicália, que usavam arte e música para criticar o regime.

Educação e universidades sofreram intervenção do Estado, com perseguição a professores e estudantes considerados subversivos.

No pós-ditadura, a sociedade ainda lida com:

Memória e esquecimento: a discussão sobre crimes da ditadura permanece polarizada.

Direitos humanos: o Brasil implementou políticas de reparação, mas ainda há lacunas na punição dos responsáveis por violações.

Direitos humanos e memória histórica

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada em 2012, investigou violações entre 1964 e 1985, incluindo:

Torturas, desaparecimentos e execuções políticas.

Prisões arbitrárias e censura a opositores.

Resultados da CNV:

Mais de 400 mortes confirmadas por ações do Estado.

Identificação de responsáveis por violações, embora muitas punições não tenham ocorrido devido à Lei da Anistia de 1979.

A luta por justiça permanece ativa, com organizações de memória, verdade e reparação defendendo:

 Educação sobre a ditadura nas escolas.

Reconhecimento das vítimas e indenizações.

Influência da ditadura na política contemporânea

 A ditadura militar deixou marcas profundas nas estruturas políticas brasileiras:

Modelo institucional: Constituição de 1967 e emendas autoritárias consolidaram centralização do poder e restrição a direitos civis.

Legado partidário: Extinção de partidos e criação de bipartidarismo controlado (ARENA e MDB) influenciaram a configuração política pós-1985.

Militares na política: Muitos militares migraram para cargos civis estratégicos, criando uma cultura de presença militar na política que ainda se reflete em governos atuais.

Práticas e cultura política

Uso de decretos e medidas provisórias, concentração de poderes e vigilância sobre opositores têm raízes nos mecanismos de controle da ditadura.

A desconfiança entre instituições e a sociedade civil ainda é resultado da repressão e censura histórica.

Impactos econômicos duradouros

Crescimento econômico desigual

A chamada “Milagre Econômico” (1968-1973) gerou crescimento, mas com concentração de renda e aumento da dívida externa.

Programas de infraestrutura beneficiaram regiões específicas, deixando desigualdades regionais acentuadas.

Inflação e dívida

Políticas de endividamento externo e controle de preços levaram a crises econômicas nos anos 1980.

O país entrou no período da “década perdida”, com inflação alta e recessão, efeitos sentidos por décadas.

Setor privado e multinacionais

Incentivos fiscais e abertura a capitais estrangeiros fortaleceram grandes conglomerados, enquanto pequenas empresas ficaram marginalizadas.

Movimentos sociais e resistência pós-ditadura
Redemocratização e mobilização civil:

Anistia política permitiu retorno de exilados e participação de movimentos sociais.

Surgimento de organizações de direitos humanos e associações de familiares de vítimas.

Influência cultural:

Arte, música e cinema passaram a registrar a memória da ditadura e denunciar injustiças.

Literatura, documentários e teatro se tornaram ferramentas de conscientização política.

Educação e debate histórico:

Inclusão de conteúdos sobre ditadura nas escolas, embora ainda haja resistência de setores conservadores.

Debate sobre reparação, memória e justiça continua sendo tema central na sociedade.

Memória da ditadura e revisões históricas contemporâneas**

Memória e justiça de transição:

A redemocratização trouxe mecanismos como a Lei da Anistia** (1979) e a criação da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014).

Objetivo: investigar desaparecimentos, mortes, torturas e violações de direitos humanos, garantindo registro histórico e responsabilização moral, embora não criminal.

Debate público e historiografia:

Diversos setores da sociedade disputam narrativas sobre o período, com revisões históricas que vão de análises críticas a tentativas de legitimar o regime.

Escolas, universidades e mídia têm papel central na transmissão da memória, mas enfrentam desafios frente a narrativas revisionistas ou revisionismo político.

Museus, memoriais e cultura:

Espaços como o Memorial da Democracia e o Museu da Ditadura Militar documentam repressão e resistência.

Filmes, documentários e literatura contribuem para manter viva a memória das vítimas e para educar novas gerações sobre os riscos do autoritarismo.

Polarização política e legado ideológico

Influência na política atual:

Debates sobre autoritarismo, intervenção militar e direitos civis ainda são recorrentes.

Movimentos conservadores e progressistas interpretam o período de formas diferentes, alimentando polarização política e ideológica.

Militares na sociedade:

O papel das Forças Armadas permanece relevante, com setores defendendo atuação política mais ativa.

A percepção pública é dividida entre a valorização da segurança e críticas à ameaça ao regime democrático.

Impactos institucionais:

A cultura de hierarquia rígida e centralização de decisões ainda influencia algumas políticas públicas.

Debates sobre liberdade de imprensa, educação e reforma institucional refletem tensões históricas da ditadura.

 Direitos humanos e desafios contemporâneos

Legislação e proteção:

Constituição de 1988 consolida direitos civis e garante proteção contra tortura, censura e perseguição política.

No entanto, casos de violência policial, perseguição a minorias e ataques a ativistas indicam desafios persistentes.

Organizações civis:

ONGs e associações de direitos humanos monitoram ações do Estado, denunciando violações e propondo políticas de prevenção.

Casos de violação de direitos humanos, embora diferentes em escala, são analisados à luz da memória da ditadura.

Educação e conscientização:

Ensinar história da ditadura é essencial para prevenção de retrocessos autoritários.

Programas educativos buscam sensibilizar jovens sobre democracia, cidadania e tolerância.

 Impactos sociais da ditadura militar no Brasil

Repressão e medo:

A censura, perseguições e prisões arbitrárias deixaram marcas profundas em famílias e comunidades.

Muitos cidadãos desenvolveram traumas intergeracionais, afetando relações familiares e sociais, além de gerar uma cultura de autocensura e desconfiança em instituições públicas.

Movimentos sociais e resistência:

Apesar da repressão, surgiram redes de resistência política, sindicatos clandestinos, grupos estudantis e organizações civis.

O legado dessas ações influenciou a formação de movimentos sociais contemporâneos, fortalecendo a mobilização por direitos civis, trabalhistas e democráticos.

Censura e cultura:

O regime controlava mídia, teatro, cinema, música e literatura, reprimindo críticas ao governo.

Muitos artistas e intelectuais foram perseguidos ou exilados.

A censura moldou o ambiente cultural do país, deixando marcas na liberdade de expressão e na produção artística contemporânea.

Impactos econômicos da ditadura

Milagre econômico e desigualdade

Entre 1968 e 1973, o Brasil viveu o chamado milagre econômico, com crescimento acelerado do PIB e grandes obras de infraestrutura.

Apesar do crescimento, a concentração de renda aumentou, e setores populares permaneceram marginalizados, perpetuando desigualdades regionais e sociais.

Endividamento externo:

O país aumentou fortemente sua dívida externa, em parte para financiar o crescimento industrial e obras de infraestrutura.

A dívida acumulada impactou a política econômica nos anos posteriores, restringindo gastos sociais e influenciando crises futuras.

Legado no mercado de trabalho:

Reforma trabalhista e controle sindical buscavam limitar greves e reduzir influência dos sindicatos.

As consequências se refletem até hoje na dinâmica do mercado de trabalho e na organização sindical no país.

Impactos culturais e educacionais

Educação

O regime buscou controlar currículos escolares, enfatizando patriotismo e valores nacionalistas, limitando debates críticos sobre política e sociedade.

A lacuna educacional contribuiu para desigualdade de acesso à informação e compreensão histórica entre gerações.

Mídia e comunicação:

A censura na imprensa e rádio moldou a forma de consumir notícias.

A criação de veículos independentes após o regime refletiu uma necessidade de garantir liberdade de expressão e pluralidade de opiniões.

Arte e literatura:

 A repressão incentivou formas de expressão simbólica, com autores, cineastas e músicos usando metáforas para criticar o regime.

O legado artístico da ditadura permanece como resistência cultural e memória histórica.

 A ditadura militar e a política contemporânea: repercussões e debates atuais**

Memória e resistência histórica:

A sociedade brasileira mantém debates intensos sobre o legado da ditadura, com destaque para comissões da verdade, memoriais e ensino da história nas escolas.

Grupos de familiares de vítimas, militantes de direitos humanos e organizações civis pressionam por justiça e reparação, enquanto setores da sociedade questionam ou relativizam eventos do período.

Influência política:

A ditadura moldou parte da **estrutura institucional do Estado**, incluindo forças armadas, legislação e práticas de segurança pública.

Políticos contemporâneos frequentemente recorrem ao período em discursos, gerando polarização e disputas sobre memória e narrativa histórica.

Debates sobre anistia e justiça:

A Lei da Anistia de 1979 ainda gera controvérsias: enquanto protege agentes do Estado de punição por crimes cometidos, limita o acesso de vítimas à reparação total.

Organizações internacionais de direitos humanos apontam que a lei não pode impedir a responsabilização de torturadores, mantendo pressão por revisão judicial e responsabilização.

Impactos nas instituições democráticas:

A experiência do regime militar reforça a importância de mecanismos de controle institucional, como Legislativo independente, Justiça autônoma e imprensa livre.

Crises políticas recentes evocam lembranças do período, estimulando debates sobre risco de retrocessos democráticos e fortalecimento de valores civis.

Educação e cultura política:

 Universidades e escolas desempenham papel crucial na formação crítica de novas gerações, combatendo a desinformação sobre a ditadura.

Projetos de preservação da memória incluem arquivos digitais, documentários e exposições, reforçando a importância do registro histórico e da conscientização social.

Legado da ditadura militar na sociedade brasileira e desafios para a democracia

Cicatrizes sociais e culturais:

Décadas após o fim da ditadura, a sociedade brasileira ainda convive com traumas de violência, tortura e desaparecimentos forçados.

A censura e repressão da época impactaram a **cultura, a educação e a liberdade de expressão, deixando marcas na produção artística, no jornalismo e na literatura.

Desigualdade e concentração de poder:

Políticas econômicas adotadas pelo regime, como incentivos a grandes setores industriais e privatizações parciais, tiveram impactos duradouros na estrutura econômica, incluindo concentração de renda e desigualdade regional.

O modelo autoritário fortaleceu redes de influência política e econômica que continuam presentes em alguns setores do país.

Forças armadas e política:

As Forças Armadas mantêm presença estratégica em áreas como segurança, fronteiras e política, com legitimidade institucional reforçada pelo passado militar, mas também alvo de debates sobre interferência na política.

O período militar é frequentemente citado em discursos políticos, polarizando opiniões e afetando decisões legislativas e eleitorais.

Memória e educação cívica:

Projetos de educação sobre ditadura buscam reforçar valores democráticos, civis e de direitos humanos.

A preservação da memória é vista como ferramenta de prevenção contra retrocessos autoritários, sendo incorporada em museus, arquivos digitais e políticas públicas.

Desafios contemporâneos para a democracia:

O legado da ditadura influencia debates sobre liberdade de imprensa, autonomia judicial e fiscalização do poder Executivo.

Crises políticas recentes evocam comparações com o passado autoritário, exigindo vigilância da sociedade civil, fortalecimento de instituições e engajamento popular.

Reflexões finais sobre a ditadura militar e seu impacto no Brasil atual

Consolidação da democracia:

O fim da ditadura em 1985 e a promulgação da Constituição de 1988 representaram marcos fundamentais para o fortalecimento das instituições democráticas no Brasil.

Apesar dos avanços, o país ainda enfrenta desafios relacionados à cultura política autoritária, como intolerância, polarização e desrespeito a minorias.

Memória e reparação histórica:

Organizações, comissões da verdade e movimentos sociais trabalham para reparar os danos causados, identificando vítimas de tortura, desaparecimentos e perseguições políticas.

A preservação da memória ajuda a evitar a repetição de abusos, conscientizando novas gerações sobre os riscos do autoritarismo.

Impactos na política e sociedade:

A influência do período militar ainda se faz sentir na política, na economia e nas forças de segurança, com debates sobre os limites da autoridade do Estado e direitos civis.

O legado do regime contribui para reflexões sobre justiça, cidadania e participação política, evidenciando a importância da democracia plena.

Direitos humanos e educação:

A ditadura impulsionou a criação de políticas e instituições voltadas à defesa dos direitos humanos, que se tornaram referências na América Latina.

A educação crítica sobre o período militar fortalece valores democráticos, liberdade de expressão e proteção de minorias.

O regime militar brasileiro deixou marcas profundas, tanto negativas quanto de aprendizado, que moldaram a sociedade contemporânea.

A compreensão da história é essencial para prevenir retrocessos autoritários, fortalecer a cidadania e consolidar a democracia, garantindo que o país não repita os erros do passado.

Heranças políticas da ditadura militar no Brasil contemporâneo

Cultura autoritária:

Apesar da redemocratização, alguns setores políticos e sociais ainda demonstram traços de pensamento autoritário, como defesa de intervenções militares em crises políticas ou desrespeito a direitos civis.

O legado do período se manifesta em discursos que valorizam a ordem e a segurança em detrimento das liberdades individuais, influenciando parte da opinião pública e movimentos políticos.

Forças armadas e política:

A participação das Forças Armadas na política civil ainda é tema de debate, com presença simbólica e real em governos recentes, seja em cargos administrativos, assessorias ou em áreas estratégicas.

A ditadura estabeleceu um modelo de relação Estado–militar que, embora oficialmente limitado pela Constituição de 1988, continua influenciando decisões estratégicas do país.

Polarização política:

O período militar gerou divisões duradouras, alimentando narrativas de “esquerda vs. direita” que ainda permeiam a política brasileira.

Movimentos nostálgicos da ditadura ou revisionistas buscam reinterpretar ou minimizar violações de direitos humanos, enquanto organizações civis e acadêmicas lutam pela memória histórica.

Legado econômico e social

Crescimento econômico versus desigualdade:

O regime promoveu o chamado “Milagre Econômico”, com crescimento rápido do PIB e expansão industrial, mas que não se traduziu em distribuição de renda e aumento do bem-estar social.

A concentração de riqueza e a desigualdade social presentes hoje têm raízes nas políticas econômicas e estruturais implementadas durante o regime.

Infraestrutura e grandes projetos:

Obras de grande porte, como a Transamazônica, usinas hidrelétricas e rodovias, foram implementadas com modelo centralizador e pouco diálogo com populações locais, especialmente indígenas e ribeirinhos.

Esse padrão de desenvolvimento ainda influencia debates sobre licenciamento ambiental, desapropriações e conflitos territoriais.

Mercado financeiro e dívida externa:

O período consolidou um modelo de financiamento via dívida externa, com consequências duradouras para a economia brasileira, incluindo dependência do capital estrangeiro e vulnerabilidade a crises internacionais.

 Memória histórica e reparação

Comissões da verdade:

Criadas para investigar crimes de Estado, identificar vítimas e responsabilizar autores, as comissões reforçam a importância da transparência e memória histórica.

Resultados incluem relatórios detalhados sobre tortura, assassinatos e desaparecimentos, servindo de base para políticas públicas de reparação.

Movimentos sociais e direitos humanos:

Organizações de ex-presos políticos, familiares e movimentos civis lutam por reconhecimento e indenização.

A sociedade civil mantém viva a discussão sobre liberdade de expressão, direitos humanos e prevenção de abusos de poder.

Educação e cultura:

A história da ditadura passou a ser incluída em currículos escolares e debates acadêmicos, reforçando valores democráticos e criticando a cultura de silêncio que predominou durante o regime.

Filmes, livros, documentários e museus ajudam a preservar a memória coletiva e conscientizar as novas gerações.

Influência da ditadura militar na política contemporânea

Nostalgia autoritária e revisionismo histórico:

Grupos políticos e parte da população ainda defendem ou relativizam o período militar, enfatizando crescimento econômico e “ordem”, mas ignorando violações de direitos humanos.

Essa narrativa gera polarização política, dificultando consensos em torno da memória histórica e das políticas de direitos humanos.

Participação militar em cargos civis:

Há presença significativa das Forças Armadas em governos recentes, em cargos estratégicos de ministérios, agências reguladoras e em políticas de segurança.

Essa presença reforça debates sobre limites da atuação militar e equilíbrio entre civil e militar na administração pública.

Segurança e legislação penal:

Algumas políticas de endurecimento penal e de combate à criminalidade refletem legados de mentalidade autoritária, mesmo em contextos democráticos.

O uso da lei como instrumento de controle social ainda dialoga com práticas instauradas durante o regime militar.

Impactos sociais e culturais atuais

Desigualdade persistente:

Estruturas econômicas e políticas implementadas durante o regime consolidaram desigualdade regional e social, como concentração fundiária, pobreza em regiões periféricas e exclusão social.

Programas de redistribuição e inclusão social enfrentam desafios históricos herdados da centralização de poder militar e do modelo econômico da época.

Cultura da memória:

Museus, arquivos e iniciativas acadêmicas mantêm viva a lembrança da ditadura, incentivando reflexão crítica.

Filmes, literatura, exposições e documentários fortalecem a educação cívica e a defesa de direitos humanos, ajudando a evitar o apagamento histórico.

Resistência civil:

Movimentos sociais, sindicatos, ONGs e associações de vítimas continuam lutando por reparações, reconhecimento de injustiças e fortalecimento da democracia.

A sociedade civil atua como vigia das instituições, impedindo retrocessos autoritários.

 Desafios e perspectivas para o futuro

Educação e consciência democrática

É crucial que escolas e universidades incluam a história da ditadura de forma crítica, combatendo revisionismos e promovendo valores democráticos.

Programas de educação cívica podem formar cidadãos mais conscientes sobre direitos, deveres e limites do poder estatal.

Fortalecimento institucional:

O Brasil precisa consolidar instituições independentes e transparentes, garantindo fiscalização de militares, autoridades e políticos em todas as esferas.

Auditorias, transparência e participação social ajudam a prevenir abusos de poder e repetição de práticas autoritárias.

Memória e reparação:

Continuar reparando vítimas e reconhecendo injustiças é essencial para a coesão social e reconciliação histórica.

Políticas públicas e leis de indenização devem acompanhar o fortalecimento da memória coletiva, garantindo justiça simbólica e material.

Prevenção de retrocessos:

O legado da ditadura mostra que silêncio, falta de transparência e concentração de poder facilitam abusos.

A vigilância cidadã, imprensa livre e sociedade civil ativa são ferramentas cruciais para evitar que episódios autoritários se repitam.

 História e Legado

Contexto histórico pré-golpe (1930–1964)

Instabilidade política e econômica pós-Estado Novo e governos democráticos frágeis.

Crescimento de tensões sociais, greves e movimentos estudantis.

Influência da Guerra Fria: EUA e União Soviética pressionam por alinhamentos ideológicos.

Polarização política entre direita militar e esquerda reformista.

Golpe de 1964

31 de março de 1964: deposição do presidente João Goulart.

Justificativa oficial: combate à ameaça comunista e instabilidade econômica.

Apoio de setores militares, elites econômicas e mídia conservadora.

Início do regime militar (1964–1985).

Consolidação do regime militar

1964–1968: Governo Castelo Branco – medidas de segurança e estabilidade econômica.

1968: AI-5 (Ato Institucional nº 5) amplia poderes do Executivo, fecha o Congresso e restringe direitos civis.

1970: “Milagre econômico” – crescimento acelerado, mas desigual, repressão intensa e censura.

Repressão política

Prisões, torturas e desaparecimentos de opositores.

Atuação de órgãos como DOI-CODI, DOPS e Centros de Detenção.

Censura à imprensa, literatura, música e universidades.

Oposição marcada por guerrilhas urbanas e resistência clandestina.

 Política econômica

Crescimento econômico concentrado, grandes obras de infraestrutura (hidrelétricas, estradas, usinas).

Abertura econômica controlada, concentração de renda e endividamento externo.

Crise da dívida externa no final dos anos 1970.

Sociedade e cultura

Censura à imprensa e manifestações artísticas.

Educação militarizada e propaganda governamental.

Movimentos sociais reprimidos e perseguidos.

Cultura de resistência: música, literatura, teatro e cinema contestam o regime.

Abertura política e redemocratização

Anos 1980 Declínio do regime devido a crise econômica e pressões sociais.

Movimento Diretas Já, eleições indiretas e pressão civil.

1985: Tancredo Neves eleito presidente civil (morte antes da posse; José Sarney assume).

 Constituição de 1988 e justiça de transição

Nova Constituição estabelece democracia, direitos humanos e separação de poderes.

Anistia (1979) garante liberdade a presos políticos e exilados.

Comissão Nacional da Verdade (2012–2014) documenta violações.

Legado institucional

Forças Armadas mantêm papel estratégico, mas sob controle civil.

Sistema judiciário, MP e órgãos de fiscalização fortalecidos.

Desafios: prevenção de abusos de poder e educação cívica limitada.

 Impactos econômicos e sociais

Desigualdade regional e concentração de riqueza.

Déficit educacional e político em regiões menos favorecidas.

Persistência de padrões de centralização de poder.

 Memória, cultura e educação

Museus, arquivos, livros e documentários reforçam a memória histórica.

Educação cívica e direitos humanos buscam prevenir revisionismo.

Sociedade civil e ONGs atuam como vigilantes da democracia.

Influências na política contemporânea

Nostalgia autoritária e revisionismo histórico.

Participação militar em cargos civis estratégicos.

Políticas de segurança refletem legado de mentalidade autoritária.

Debate contínuo sobre limites da atuação militar e equilíbrio democrático.

Desafios e perspectivas

Necessidade de fortalecer instituições, transparência e controle civil.

Educação crítica e memória histórica como ferramentas de prevenção.

Políticas de reparação e justiça simbólica para vítimas do regime.

Vigilância cidadã e imprensa livre para evitar retrocessos autoritários.

Foto do Colunista

ELAISE ORMOND

Uma Colunista de Política com foco em análises profundas sobre o cenário Político Nacional.

Leia +